"Quando todos os cálculos complicados se revelam falsos, quando os próprios filósofos não têm nada mais a dizer-nos, é desculpável que nos voltemos para a chilreada fortuita dos pássaros ou para o longínquo contrapeso dos astros ou para o sorriso das vacas."
Marguerite Yourcenar, Memórias de Adriano (revista e acrescentada por Carlos C., segundo Aníbal C. S.)

segunda-feira, 31 de agosto de 2020

Lua

 Acabar as férias com esta Lua...


(e a ouvir os Pink Floyd... na Lua)



A grande questão civilizacional

 Sou capaz de ir à Festa do Avante...

Depois do parecer da DGS, aparenta ter condições de segurança superiores às das salas de aula onde vou começar a trabalhar daqui a 15 dias.


Sérgio Godinho - 75 anos

Não me lembro de ver uns 75 tão comemorados na comunicação social e afins.

Sérgio Godinho consegue um percurso de vida (de carreira - quase 50 -, que nós, "público", não conseguimos separar as duas coisas) sem baixos.
Há uma continuidade da qualidade e da coerência, sempre em busca da descoberta.
É difícil encontrar outros casos assim.

Foi acompanhando a minha vida, desde que uma tarde, ainda antes do 25 de Abril, ouvi na Rádio Renascença uma canção com versos que achei um pouco estranhos:

Eh, meu irmão, que é que tens,
que tremes como um chouriço?
Eh, meu irmão que é que tens,
parece que viste um bicho!

Agora, encontramo-nos n'O novo normal.
Saúde!
No primeiro dia do resto das nossas vidas, se pudesse, dava-lhe um abraço...


domingo, 30 de agosto de 2020

Poema para o Nikias

«O Nikias pediu-me um poema - que seria inspirado numa gravura que me ofereceu...
Mas não me sai nada. Ou, com mais sinceridade: quando saltei da cama, tive a intuição do primeiro sinal.
Estas palavras:
A cidade de cristal.
Então, a sorrir, lembrei-me de que essa intuição estava há muito escrita num papelinho, ainda não aproveitado na Cidade Inexacta e talvez adaptável ao caso.
Cá está. Copio:

O cristal da cidade
tem muros de pedra 
que cega o silêncio...


Traços violentos sobre tudo isto e, a seguir, estas palavras já com sabor de poesia
(porque aparecem as palavras morte e flores?):

A morte
é o outro lado das flores.


Mais abaixo outra versão:

A cidade de cristal
oculta na sombra dos corredores
- olhos de pedra nas crianças...


E o final inevitável:

A morte
é o outro lado das flores...


Mais riscos e, por fim, a poesia:

Pedras secretas
para a cidade de cristal
oculta na sombra dos corredores
do musgo inquieto...

A morte 
é o outro lado das flores...


Existem mais hipóteses. Entre elas uma em que substituí a palavra morte por vida (E até por sonho...)

A vida
é o outro lado das flores...

Oh! a aventura dos poetas que cantam por aproximações e experiências sucessivas!»
José Gomes Ferreira, Dias Comuns VI


Nikias Skapinakis, Retrato de José Gomes Ferreira


quinta-feira, 27 de agosto de 2020

Nikias Skapinakis (1931 - 2020)

«A intervenção formativa do artista num mundo em que permanecem, além de constantes agressivas, formas sociais obsessivas e de produção estandardizada e concorrente, não reside num esforço didáctico pela acessibilidade dessa intervenção, mas no facto de afirmar o direito natural da imaginação criadora, contagiando nos outros a sua liberdade interior - a mais suspeita das liberdades aos olhos das forças repressivas.»
Nikias Skapinakis (1978)

Cortina mirabolante (pormenor)

Vídeo a propósito da exposição Presente e Passado, realizada em 2012,
no CCB - Museu Colecção Berardo

«Nikias não se integra, de facto, num movimento ou grupo artísticos específicos, tendo desenvolvido uma produção que anda quase sempre em contracorrente com o que a crítica ou a historiografia da arte definem como as principais linhas de força da arte da segunda metade do século XX.» (Leonor de Oliveira)


segunda-feira, 24 de agosto de 2020

200 anos da Revolução Liberal - O dia por quem o viveu

... do Porto e de Portugal!

O quartel de Santo Ovídio (Infantaria 18) no antigo Campo de Santo Ovídio


Antigo Campo de Santo Ovídio, actual Praça da República 
(com  o Quartel-general ao cimo)

«Rompeu o dia 24, e ao som dos clarins, e da artilharia se fizeram em pedaços os grilhões que nos algemavam, e com tanto sossego se proclamou a nossa independência, que ninguém sofreu o mais pequeno incómodo: imenso povo assistiu à reunião das tropas em Santo Ovídio, ouviu as proclamações, misturou-se no meio dos vivas, e da alegria com a tropa de tal maneira que quando chegaram à Praça Nova o contentamento era universal.»  
(José da Silva Carvalho, Memorandum sobre os acontecimentos do dia 24 d'Agosto de 1820)

A Praça da Liberdade (à data chamada Praça Nova das Hortas), tendo no topo 
a antiga Casa da Câmara -, onde reuniram as entidades que deram origem à 
Junta Provisional do Governo Supremo do  Reino, a que alude o texto seguinte. 
A foto já é posterior a 1866, data em que foi inaugurada a estátua de D.Pedro IV.


«Na praça tudo era movimento e alegria. O coronel Sepúlveda, cercado de povo, lançava a barretina ao ar dando vivas à Revolução; os soldados e povo o imitavam e correspondiam. Tal era o espectáculo que se ofereceu aos meus olhos quando me reuni aos meus colegas de governo em uma das salas baixas da casa da câmara. E começámos os nossos trabalhos governativos. Foram estes: publicar o manifesto à Nação, expandir circulares às autoridades militares e civis das províncias para prestarem obediência ao novo governo; escrever à regência de Lisboa uma carta explícita sobre os fins da Revolução e decretar a criação de um tesouro público no Porto, destinado a receber as rendas públicas e satisfazer a todos as despesas do serviço.»
(Xavier de Araújo, A Revolução de 1820 - Memórias)


José da Silva Carvalho e Xavier de Araújo pertenciam ao Sinédrio, associação secreta que preparou a Revolução.

200 anos da Revolução Liberal

O início da mais importante revolução portuguesa - a entrada de Portugal na época contemporânea.


A última hora da tirania soou; o fanatismo, que ocupava a face da terra, desapareceu; o sol da liberdade brilhou no nosso horizonte, e as derradeiras trevas do despotismo foram, dissipadas por seus raios, sepultar-se no inferno.»

Almeida Garrett, O dia vinte e quatro de Agosto


As coisas não foram tão assim tão simples, mas não quero tirar o prazer ao Garrett...


quinta-feira, 20 de agosto de 2020

A enganar os muralistas?

 

Como diz um amigo, os populistas de extrema-direita não querem combater a corrupção, querem ter o seu monopólio.* 



* Confirma-se!



terça-feira, 18 de agosto de 2020

Carta aberta dos escritores de língua portuguesa

CARTA ABERTA DOS ESCRITORES DE LÍNGUA PORTUGUESA CONTRA O RACISMO, A XENOFOBIA E O POPULISMO E EM DEFESA DE UMA CULTURA E DE UMA SOCIEDADE LIVRES, PLURAIS E INCLUSIVAS

Nós, escritores portugueses e de língua portuguesa, estamos, por ofício, cientes do poder da palavra. E do poder da sua omissão também. Conhecemos os custos de dar palco ao que, em circunstâncias normais, não mereceria uma nota de rodapé. Pondo em cena aquilo que não é de cena – aquilo que é, e não só etimologicamente, obsceno.
Preferimos correr esse risco face às circunstâncias vividas em Portugal, que consideramos graves e inquietantes, nos domínios do racismo, do populismo, da xenofobia, da homofobia, das emoções induzidas, da confusão destas com ideias e, em geral, de tudo aquilo que de mais repugnante pode emergir de uma sociedade em crise e em estado de medo.
Temos de reagir antes que seja tarde. E usar as palavras contra o insidioso ataque à democracia, ao multiculturalismo, à justiça social, à tolerância, à inclusão, à igualdade entre géneros, à liberdade de expressão e ao debate aberto.
Exigimos compromissos políticos que detenham a escalada do populismo, da violência, da xenofobia – de todos esses reflexos primitivos, retrógrados, obscurantistas, destrutivos e abjectos. Tais são as nossas grandes riquezas: a diversidade e a tolerância. Como o expressa a língua portuguesa, feita de aglutinação, inclusão e aceitação da diferença.
Quem gosta de Portugal jamais diz «Vão!», antes diz «Venham!».
É preciso tomar consciência de que as ameaças que ora rastejam propiciam uma quebra irreparável dos valores humanistas, da solidariedade e do mútuo apoio – valores laborais e de igualdade de direitos constitucionais à saúde, à educação, ao emprego, à justiça, à cultura.
Cultura e literatura não florescem nestes tempos sufocantes, em que a terrível crise humanitária dos refugiados, nos deploráveis campos às portas da Europa, e a ameaça ecológica e ambiental, à escala planetária, são banalizadas nos noticiários. E ao que vem de trás ainda se junta o que se seguirá à pandemia da covid-19: o alastramento do desemprego e da pobreza, pasto fértil para demagogias, teses anti-imigração, racismos e extremas-direitas.
Não podemos olhar para o lado nem continuar calados, sob pena de emudecermos. Por tudo isto, nós, escritores portugueses e de língua portuguesa, assumimos o compromisso de jamais participarmos em eventos, conferências e/ou festivais conotados – seja de que maneira for – com ideias que colidam com os princípios da tolerância e da dignidade humana.
A todos os cidadãos portugueses, à sociedade civil, aos professores das escolas e das universidades, apelamos a que se distanciem de projectos e movimentos antidemocráticos e ajudem na consciencialização das novas gerações para a urgência dos valores humanistas e para os riscos das extremas-direitas; aos órgãos de justiça, que investiguem, processem e condenem os interesses económico-financeiros que se servem dos novos populismos para, a coberto da raiva e da intolerância, acentuarem as desigualdades de que sempre se sustentaram; às autoridades policiais e aos seus agentes, que se abstenham de condescender com movimentos e acções promotores da exclusão, da discriminação e da violência; à comunicação social, que assuma com veemência o seu papel de contraditório e de defesa da verdade; aos partidos políticos, que sejam capazes de recuperar os princípios esquecidos no decurso do jogo partidário de vocação eleitoral; ao Presidente da República, à Assembleia da República e ao Governo, que exerçam um escrutínio rigoroso da constitucionalidade e assegurem que o fascismo não passará.
Na certeza de que, como sempre nos mostrou a História, quem adormece em democracia acorda em ditadura,
os escritores de língua portuguesa:

Adélia Carvalho
Adriana Lisboa
Afonso Borges
Afonso Cruz
Alexandra Lucas Coelho
Alexandre Andrade
Alice Vieira
Almeida Faria
Álvaro Laborinho Lúcio
Álvaro Magalhães
Amosse Mucavele
Ana Bárbara Pedrosa
Ana Cristina Silva
Ana Luísa Amaral
Ana Margarida de Carvalho
Ana Marques
Ana Pessoa
Ana Saldanha
Ana Saragoça
André de Leones
Andréa del Fuego
Andrea Zamorano
Andreia Azevedo Moreira
António Borges Coelho
António Cabrita
António Ladeira
António Mota
António Tavares
Bernardo Carvalho
Carla Maia de Almeida
Carlos Campaniço
Carlos Nogueira
Carlos Tê
Carlos Vale Ferraz
Carola Saavedra
Catarina Santiago Costa
Catarina Sobral
Chico Buarque
Chissana M. Magalhães
Cláudia Lucas Chéu
Conceição Lima
Cristina Drios
David Machado
Diniz Borges
Domingos Lobo
Eileen A. Barbosa
Elsa Caetano
Eric Nepomuceno
Evandro Affonso Ferreira
Fabrício Corsaletti
Filinto Elísio
Filipa Martins
Francisco José Viegas
Francisco Resende
Fundação José Saramago
Gabriela Silva
Gonçalo Cadilhe
Gregório Duvivier
Helder Macedo
Helena Vasconcelos
Hélia Correia
Henrique Manuel Bento Fialho
Hugo Gonçalves
Inês Fonseca Santos
Inês Pedrosa
Isabel Minhós Martins
Isabel Olivença
Isabel Rio Novo
Isabel Zambujal
Isabela Figueiredo
Itamar Vieira Júnior
Jacinto Lucas Pires
Jaime Rocha
Jamil Chade
Joana Bértholo
Joana M. Lopes
João Cezar de Castro Rocha
João de Melo
João Paulo Cotrim
João Paulo Cuenca
João Pedro Porto
João Pinto Coelho
João Ricardo Pedro
João Tordo
Joel Neto
Jorge Serafim
José Anjos
José Carlos Vasconcelos
José Eduardo Agualusa
José Fanha
José G. Neres
José Jorge Letria
(escritor e Presidente da SPA)
José Luís Peixoto
José Manuel Mendes
José Mário Silva José Pinto
Juca Kfouri
Julián Fuks
Júlio Machado Vaz
Leonor Sampaio Silva
Lídia Jorge
Lúcia Bettencourt
Lucílio Manjate
Lucrecia Zappi
Luís Almeida Martins
Luís Carlos Patraquim
Luís Carmelo
Luís Corredoura
Luís Fernando Veríssimo
Luís Quintais
Luís Rainha
Luísa Costa Gomes
Luísa Ducla Soares
Luíz Filipe Botelho
Luiz Ruffato
Madalena B. Neves
Madalena San-Bento
Manuel Alberto Valente
Manuel Jorge Marmelo
Manuela Costa Ribeiro
Márcia Balsas
Margarida Fonseca Santos
Margarida Vale de Gatto
Maria do Rosário Pedreira
Maria Manuel Viana
Maria Valéria Rezende
Mário Cláudio
Mário de Carvalho
Mário Loff
Marta Bernardes
Mary del Priore
Mia Couto
Miguel Real
Miguel-Manso
Milton Hatoum
Mónia Camacho
Nara Vidal
Nazir Ahmed Can
Nélida Piñon
Nilma Lacerda
Noemi Jaffe
Nuno Camarneiro
Olga Santos
Olinda Beja
Ondjaki
Onésimo Teotónio Almeida
Patrícia Melo
Patrícia Portela
Patrícia Reis
Paula de Sousa Lima
Paulo Kellerman
Paulo M. Morais
Paulo Moura
Paulo Scott
Pedro Loureiro
Pedro Meira Monteiro
Pedro Pereira Lopes
Pedro Vieira
Pepetela
Possidónio Cachapa
Raquel Varela
Renato Filipe Cardoso
Ricardo Fonseca Mota
Ricardo Ramos Filho
Richard Zimler
Rita Ferro
Rita Taborda Duarte
Rodrigo Guedes de Carvalho
Rosa Freire D'Aguiar
Rui Cardoso Martins
Rui de Almeida Paiva
Rui Lage
Rui Manuel Amaral
Rui Zink
Ruth Manus
Sandro William Junqueira
Sérgio Godinho
Sérgio Nazar David
Sidney Rocha
Susana Moreira Marques
Tânia Ganho
Tatiana Salem Levy
Teolinda Gersão
Teresa Rita Lopes
Tiago Rodrigues
Tiago Salazar
Tom Farias
Valter Hugo Mãe
Vanda R. Rodrigues
Vera Duarte



segunda-feira, 17 de agosto de 2020

quarta-feira, 12 de agosto de 2020

Torga Magnificat

Ai, a vida!
Quanto mais me magoa, mais a canto.
Mais exalto este espanto
De viver.
Este absurdo humano,
Quotidiano,
Dum poeta cansado
De sofrer,
E a fazer versos como um namorado,
Sem namorada que lhos queira ler.
Cego de luz, e sempre a olhar o sol
Num aturdido
Deslumbramento.
Cada breve momento
Recebido
Como um dom concedido
Que se não merece.
Aí, a vida!
Como dói ser vivida,
E como a própria dor a quer e agradece.


Miguel Torga



Miguel Torga nasceu a 12 de Agosto.



sexta-feira, 7 de agosto de 2020

Minha voz, minha vida

 Parabéns, Caetano Veloso!

78 primaveras


Perde-se muito...

 «A Fernanda era inteligente, honesta, resistente. A sua rebeldia nunca endureceu ou beliscou em nada a sua sensibilidade e a sua inspiração.

Perde-se muito quando se perde uma companheira como a Fernanda Lapa.»

Maria do Céu Guerra

Fernanda Lapa à porta de A Barraca, com José Gomes Ferreira e Mário Viegas. 

A presença de Mário Viegas faz lembrar outra baixa, esta semana, do teatro português: Juvenal Garcez, seu cúmplice e sucessor na Companhia Teatral do Chiado.