"Quando todos os cálculos complicados se revelam falsos, quando os próprios filósofos não têm nada mais a dizer-nos, é desculpável que nos voltemos para a chilreada fortuita dos pássaros ou para o longínquo contrapeso dos astros ou para o sorriso das vacas."
Marguerite Yourcenar, Memórias de Adriano (revista e acrescentada por Carlos C., segundo Aníbal C. S.)

domingo, 12 de março de 2017

Raul Brandão, Húmus

«- A alma - diz ele -, ao contrário do que tu supões, a alma é exterior: envolve e impregna o corpo como um fluido envolve a matéria. Em certos homens a alma chega a ser visível, a atmosfera que os rodeia toma cor. Há seres cuja alma é uma contínua exalação. Há-os cuja alma é duma sensibilidade extrema: sentem em si todo o universo. Daí também simpatias e antipatias súbitas quando duas almas se tocam, mesmo antes de a matéria comunicar. O amor não é senão a impregnação desses fluidos, formando uma só alma, como o ódio é a repulsão dessa névoa sensível. É assim que o homem faz parte da estrela e a estrela de Deus. Nos vegetais, nas árvores, a alma é interior, pequenina emoção, pequenina alma ingénua e humilde, que se exterioriza em ternura a cada primavera: tocada pelo grande fluido esparso, vem à tona em oiro e verde, em deslumbramento. Nos minerais, na pedra concentrada e recalcada, que dor inconsciente, que esforço cego e mudo por não poder abalar as paredes e comunicar com a alma do universo! A pedra espera ainda dar flor.»
Raul Brandão, Húmus

Celebram-se os 150 anos do nascimento de Raul Brandão e os 100 anos da edição de Húmus.



«Um livro como Húmus pode escrever-se num surto de arrebatada actividade criadora - e nem de outra maneira sabia e podia Raul Brandão escrever. O que todavia não é possível é conceber que uma obra com a riqueza e a complexidade desta possa surgir senão depois de uma larga e reiterada meditação - neste caso a sempre repetida e dramática equacionação das incógnitas que de há muito estavam na base da problemática existencial do escritor. Deste livro se poderia dizer que contém e amplia todos os outros no sentido de que nele se concentram e desenvolvem, a nível literário até aí ainda não atingido, todas as inquietações que fizeram deste indisciplinado pesquisador de mistérios um originalíssimo espírito metafísico.
Quanto a ser esta a sua melhor obra não há qualquer dúvida. Assim unanimemente os críticos o têm entendido e assim a considerava o próprio Raul Brandão, conforme testemunho de Câmara Reis.»
Guilherme de Castilho, Vida e obra de Raul Brandão


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