Dar corda ao relógio (ilustração de meados do século XV) |
«Os aparelhos de medir o tempo não aparecem senão muito tarde na história da humanidade. (...) o tempo, sendo essencialmente não mensurável, nunca se nos apresenta senão como provido de já de uma medida natural, cortado já em fatias pela sucessão das estações e dos dias, pelo movimento - e os movimentos - do relógio celeste, que a natureza previdente teve o cuidado de pôr à nossa disposição. Fatias um pouco espessas, sem dúvida. E bastante mal definidas, imprecisas, de duração desigual: mas que importância pode isso ter no quadro da vida primitiva, da vida nómada, ou mesmo da vida agrícola? A vida desenrola-se entre o erguer e o pôr do Sol, com o meio-dia como ponto de divisão. Um quarto de hora, ou mesmo uma hora a mais ou a menos não mudam absolutamente nada. É apenas a civilização urbana, evoluída e complexa, que, por exigências precisas da sua vida pública e religiosa, pode vir a sentir a necessidade de saber a hora, de medir um intervalo de tempo. É só então que surgem os relógios. (...)
Foi nos mosteiros, e por necessidade do culto, que terão nascido e se terão propagado os relógios, e terá sido este hábito da vida monástica, o hábito de se conformar com a hora, que, difundindo-se em redor da muralha conventual, impregnou e informou a vida citadina, fazendo-a passar do plano do tempo vivido ao do tempo medido.»
Alexandre Koyré, Do Mundo do "mais ou menos" ao Universo da Precisão
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