"Quando todos os cálculos complicados se revelam falsos, quando os próprios filósofos não têm nada mais a dizer-nos, é desculpável que nos voltemos para a chilreada fortuita dos pássaros ou para o longínquo contrapeso dos astros ou para o sorriso das vacas."
Marguerite Yourcenar, Memórias de Adriano (revista e acrescentada por Carlos C., segundo Aníbal C. S.)

sábado, 6 de agosto de 2011

Sejamos gansos

Ver um bando de gansos, ordenadamente, saindo da água, tal como já tinha visto esses mesmos gansos, há umas semanas atrás, defenderem em conjunto as jovens crias de um ataque de gaivotas, fez-me lembrar um livro publicado em 2006, O que podemos aprender com os gansos, da autoria de um economista e consultor especializado na área da motivação pessoal brasileiro, Alexandre Rangel.

O subtítulo esclarece melhor o que podemos encontrar no livro: “Lições de cooperação, liderança e motivação”. Na edição portuguesa da Casa das Letras, a capa anuncia-o como “o livro de motivação empresarial mais vendido no Brasil nos últimos anos”, acrescenta um apelativo “Melhore a qualidade de vida, o ambiente de trabalho e a produtividade da sua empresa” e traz a figurinha de um ganso.

O livro fala pouco, muito pouco, de gansos. Mas o primeiro capítulo ou o primeiro texto (no fundo, trata-se de um conjunto de textos relativamente curtos) intitula-se O que podemos aprender com os gansos selvagens.
O tamanho do texto facilita a sua transcrição integral:
«Podemos aprender muito com os gansos selvagens.
Quando, por exemplo, um ganso bate as asas voando numa formação em V, cria um vácuo para a ave seguinte passar, e o bando inteiro tem um desempenho setenta e um por cento melhor do que se voasse sozinho.
Sempre que um ganso sai da formação, sente, subitamente, a resistência do ar, por tentar voar sozinho e, rapidamente, volta para a referida formação, aproveitando o vácuo da ave imediatamente à frente.
Quando um ganso líder se cansa, passa para trás e de pronto outro assume o seu lugar, voando para a posição da ponta.
Na formação, os gansos que estão atrás grasnam para encorajar os da frente a voarem mais depressa.
Se um deles adoece, dois gansos abandonam a formação e seguem o companheiro doente, para o ajudar e proteger. Ficam com ele até que esteja apto a voar de novo ou venha a morrer. Só depois disso voltam ao procedimento normal, com outra formação ou atrás de outro bando.
A lição dos gansos:
Pessoas que compartilham uma direcção comum e senso de comunidade podem atingir mais facilmente os objectivos que pretendem.
Para os atingir, é necessário estar junto daqueles que se dirigem para onde queremos ir, dando e aceitando ajuda.
É preciso haver um revezamento na liderança e nas tarefas pesadas. As pessoas, assim como os gansos, dependem umas das outras.
Precisamos de assegurar que o nosso “grasnido” seja encorajador para a nossa equipa e que a ajude a melhorar o seu desempenho.
É necessário estar ao lado dos colegas também nos momentos mais difíceis.»

Actualmente (passaram 5 anos depois da publicação do livro), num mundo dominado pela paranóia financeira dos mercados e pelos resultados, as pessoas são meros números para as estatísticas. A realidade da gestão empresarial não tem nada a ver com os princípios que os gansos selvagens nos podem ensinar. É exactamente o seu contrário, sem consideração, sem respeito pela dimensão humana, sem atender aos valores básicos de uma sociedade que se pretende livre. Não existe o sentido do colectivo, não existe, aliás, um sentido para a nossa vida em sociedade que não seja o de apresentar números que nos ponham de acordo com padrões fictícios criados por quem, de forma poucas vezes clara, dita as regras e as muda quando quer, de acordo com os seus interesses privados. Já nem é o poder político eleito, que teoricamente nos representa, que governa – ele também é governado pelos particulares interesses que se sobrepõem. E as modernas gestões estão ao seu serviço.


Sejamos gansos selvagens e seremos mais felizes.
Quanto aos gestores de aviário, ao sabor das modas e ao serviço dos privadíssimos interesses... só desejo que batam c’os corninhos no muro mais próximo!

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