"Quando todos os cálculos complicados se revelam falsos, quando os próprios filósofos não têm nada mais a dizer-nos, é desculpável que nos voltemos para a chilreada fortuita dos pássaros ou para o longínquo contrapeso dos astros ou para o sorriso das vacas."
Marguerite Yourcenar, Memórias de Adriano (revista e acrescentada por Carlos C., segundo Aníbal C. S.)

segunda-feira, 30 de dezembro de 2024

Adília Lopes (1960 - quase 2025)

Morreu a poetisa Adília Lopes.

«A minha poesia é uma epopeia da vida menor. Não é a descoberta do caminho marítimo para a Índia. É o caminho do corredor de minha casa entre a sala onde escrevo e leio e a cozinha. É doméstica. É feminina.» (de uma entrevista)

«Nunca consegui escrever nada com projetos, planos, programas, esquemas, prazos. Grão a grão, verso a verso, enche a galinha ao papo. Pôr o carro à frente dos bois. Assim é que funciona para mim.»


domingo, 29 de dezembro de 2024

Un son para Portinari

Pela produção vídeo (sobretudo):


Pela força da interpretação:



O pintor brasileiro Cândido Portinari nasceu a 29 de Dezembro de 1903.


segunda-feira, 23 de dezembro de 2024

Jorge Sousa Braga, o Exercício de mais um aniversário

Não sei quem me ensinou a voar
não sei quando comecei a voar

mas lembro-me nas primeiras tentativas
de me estatelar no chão

Aprendi a voar sem asas
aprendi a caminhar sobre brasas

aprendi a caminhar sem ter chão

Jorge Sousa Braga

As mesmas iniciais de JSB (Johann Sebastian Bach)


sexta-feira, 20 de dezembro de 2024

O Poema Pouco Original do Medo

Montagem copiada da conta de fb de Viriato Teles


O medo vai ter tudo
pernas
ambulâncias
e o luxo blindado
de alguns automóveis

Vai ter olhos onde ninguém os veja
mãozinhas cautelosas
enredos quase inocentes
ouvidos não só nas paredes
mas também no chão
no tecto
no murmúrio dos esgotos
e talvez até (cautela!)
ouvidos nos teus ouvidos

O medo vai ter tudo
fantasmas na ópera
sessões contínuas de espiritismo
milagres
cortejos
frases corajosas
meninas exemplares
seguras casas de penhor
maliciosas casas de passe
conferências várias
congressos muitos
óptimos empregos
poemas originais
e poemas como este
projectos altamente porcos
heróis
(o medo vai ter heróis!)
costureiras reais e irreais
operários
     (assim assim)
escriturários
     (muitos)
intelectuais
     (o que se sabe)
a tua voz talvez
talvez a minha
com certeza a deles

Vai ter capitais
países
suspeitas como toda a gente
muitíssimos amigos
beijos
namorados esverdeados
amantes silenciosos
ardentes
e angustiados

Ah o medo vai ter tudo
tudo

(Penso no que o medo vai ter
e tenho medo
que é justamente
o que o medo quer)

                *

O medo vai ter tudo
quase tudo
e cada um por seu caminho
havemos todos de chegar
quase todos
a ratos

Sim
a ratos

Alexandre O'Neill

E se os altos dignitários não percebem a indignidade da acção de reacção à percepção... façam-lhes um desenho, expliquem-lhes com se fossem muito burros! 


Rádio Macau: 40 anos


"Rádio Macau: 40 Anos", um especial em dois episódios, para ouvir já em http://antena1.rtp.pt/.../a-estreia-dos-radio-macau 
O primeiro episódio estreia-se na emissão da Antena 1 este Domingo (22 Dez), depois do noticiário das 15h.

Bom dia, Lisboa

15 anos antes da passagem da administração do território de Macau para a China.

Os Rádio Macau eram de outro território (começaram na linha de Sintra).


quinta-feira, 19 de dezembro de 2024

Vitorino Nemésio - 123 anos do nascimento

Também Vitorino Nemésio nasceu a 19 de Dezembro, em Santa Cruz (Praia da Vitória), no primeiro ano do século XX.

«Pois eu sou ao mesmo tempo e acima de tudo português açoriano europeu, americano brasileiro, e por tudo isto românico hispânico e ocidental, e gostava de ser homem de todo o mundo.»



O'Neill, Alexandre O'Neill


Auto-retrato

O’Neill (Alexandre), moreno português,
cabelo asa de corvo; da angústia da cara,
nariguete que sobrepuja de través
a ferida desdenhosa e não cicatrizada.
Se a visagem de tal sujeito é o que vês
(omita-se o olho triste e a testa iluminada)
o retrato moral também tem os seus quês
(aqui, uma pequena frase censurada…)
No amor? No amor crê (ou não fosse ele O’Neill!)
e tem a veleidade de o saber fazer
(pois amor não há feito) das maneiras mil
que são a semovente estátua do prazer.
Mas sofre de ternura, bebe de mais e ri-se
do que neste soneto sobre si mesmo disse…

100 anos do nascimento de Alexandre O'Neill


Alexandre O'Neill - Foto de Fernando Lemos (1949)

"Para ti o tempo já não urge."


quarta-feira, 11 de dezembro de 2024

Aconselhado a todos os que sabem ler

 

Declínio das competências dos adultos portugueses começa logo aos 25 anos

(para quem puder ler no Público)


Isabel Silvestre, A gente não lê


É simples: é o básico!

 

Rui Veloso, A gente não lê

Não escrevo mais... para não atrapalhar a compreensão. 


Naquele tempo...

Naquele tempo, viver era a melhor coisa do mundo.
Quando nascia o sol todas as pessoas viam
e os homens eram crianças para além dos montes.
Era uma planície, grande como convém a todas as planícies
E plana porque tudo estava certo.
Naquele tempo tínhamos sido criados e éramos iguais às ervas e às flores.

Tu,
tão perfeita que era impossível não seres,
tão erguida como um riso de andorinha,
tu estavas ao meu lado, naturalmente fresca,
e não havia motivos nem razões porque sabíamos tudo.
A nossa teologia era o beijo da criança mais próxima
e ao deitarmo-nos na terra como folhas da mesma planta,
gratos, reduzidos, conscientes.
Olhando para cima, o céu abria-se e todos os Anjos vinham sentar-se no rebordo

e riam como nós pequenas gargalhadas.
Eu cantava canções mais belas do que não tendo palavras
e ouvias-me em silêncio e de olhos abertos exactamente como a todos os sons.

Pedro Tamen, Poema para  todos os Dias


segunda-feira, 9 de dezembro de 2024

Primaveras há muitas, seu palerma!...


E não me lembro de nenhuma que tenha florido... desde a de Praga (68) e a Marcelista às árabes (2010-12 - Tunísia, Egipto, Líbia, Iémen, Bahrein, Síria - já em Março de 2011, com a tentativa de deposição de Bashar Al-Assad...). 

Estaremos cá para ver o tipo de festa...


domingo, 8 de dezembro de 2024

Empolamentos

Na análise futebolística pululam os resultados históricos, as reviravoltas épicas e os lances arrepiantes.

É melhor que os jornalistas desportivos se contenham nos superlativos. Exageram nas hipérboles e repetem-nas à exaustão. Pelo menos... arranjem outras!

Já cansa!


sexta-feira, 6 de dezembro de 2024

Coerentemente ressabiado

Significativa a ausência de Cavaco Silva na Assembleia da República, na sessão solene evocativa do 100.º aniversário de Mário Soares.


Mário Soares como o centro político


Foi interessante ouvir os discursos dos representantes dos partidos na sessão solene comemorativa do 100.º aniversário do nascimento de Mário Soares, na Assembleia da República.

Funcionaram com uma clareza cristalina como identificadores da posição dos partidos no espectro político e da sua leitura histórica do Portugal contemporâneo, sobretudo o pós-25 de Abril.

E sobretudo o pós, porque o Chega e o CDS não focaram o papel de Soares na luta contra o Estado Novo, enfatizando, antes, o seu papel negativo no processo de descolonização (em que se centrou quase todo o discurso de André Ventura, em tom acusador para com um dos "donos disto tudo", com palmas estridentes do seu grupo). Neste sector, Soares só se salvou pela sua acção no Verão Quente e no 25 de Novembro e pelos primeiros passos em relação à União Europeia. O CDS nem se lembrou (ironia! Logo eles que nem a Constituição aprovaram...) que tinha participado num Governo de coligação com o PS, embora destacasse o mérito de Soares por nunca ter construído maiorias à esquerda. 

Personagem criadora de luzes e de sombras, reconhecidamente um democrata e "no lado certo nos momentos fundamentais", segundo a IL, que recordou a sua duvidosa gestão de um esquecido território de Macau. É preciso ter memória!...

Do PSD, o reconhecimento do valor do adversário - "inabalável construtor da democracia, que até ao fim dos seus dias serviu Portugal", embora... se tenha enganado muitas vezes. Houve um cheirinho a cravos na afirmação de que "recordar Mário Soares é celebrar Abril".

O PAN realçou o progressista e humanista com preocupações ambientais. Destaque para a similitude das bochechas de Mário Soares e de... Inês Sousa Real

Ao centro desta paleta de posições, a jogar em casa, o PS valorizou toda a acção de Soares, cuja vida política vale como um todo. "Para a avaliar, não podemos escolher o período que mais nos convém ou mais nos agrada, de acordo com a conjuntura do momento ou a posição que queremos defender".

Caminhando para a esquerda, começa a sobressair o Soares anti-fascista, podendo pesar alguns contras.

O Livre, mais positivo, valorizou o europeísmo do antigo Presidente, adivinhando o que seria a sua atitude inclusiva perante a imigração. Refrescante a valorização do direito ao descanso - não vivemos só para trabalhar -, lembrando o gosto de Soares pelas sestas.

O BE evocou algumas das suas contradições políticas, mas elogiou a posição de princípio relativamente à questão palestiniana e a defesa dos dois estados.

O PCP sobrelevou a ação política de Soares na luta contra o fascismo, reconhecendo as divergências "no caminho a seguir da revolução". Ressalvou a "relação de respeito mútuo" e não deixou de evocar a posição de apoio do PCP na 2.ª volta das presidenciais de 1986, a qual permitiu a eleição de Soares.


Falando de Mário Soares, os partidos falaram muito de si, de como se posicionam face à História e do momento em que se encontram.

Como disse José Soeiro, do BE, Soares "nunca pediu desculpa por ser político, e por viver intensamente a política". "Com Soares e contra Soares, é sempre uma forma de partir de Soares. E é porventura o modo elevado de reconhecimento que merece um político como Soares: cem anos depois de ter nascido, continuarmos a discutir com ele."



quinta-feira, 5 de dezembro de 2024

Obra de Adriano Correia de Oliveira classificada como de interesse nacional

«A voz do Adriano era uma voz alegre e triste. Solidária e solitária, havia nela ternura e mágoa, esperança e desesperança, amparo e desamparo, festa e luta. E também saudade e fraternidade.»

«Importa assinalar a importância que tiveram as Trovas de Adriano e as Baladas do Zeca como estímulos e factores de mobilização da luta estudantil. Importa ainda sublinhar que essa junção da poesia e da música constituiu na altura o verdadeiro vanguardismo estético português.»

Manuel Alegre

Na sequência da petição promovida pelo Centro Artístico, Cultural e Desportivo Adriano Correia de Oliveira (de Avintes), o PS e o PCP apresentaram dois projectos de resolução para que a obra de Adriano Correia de Oliveira fosse classificada como de interesse nacional pela Assembleia da República - uma forma de preservar e divulgar o trabalho de umas das principais figuras da canção portuguesa do século XX. 

A aprovação aconteceu hoje.  


segunda-feira, 2 de dezembro de 2024

O talento português para herói da escravatura


... e pelas fardas!

Parafraseando Mário Cláudio, «Dou-lhe a liberdade de opção, o que nele determina essa resistência do português-tipo à tolerância, vista sempre como uma espécie de obstáculo ao atávico talento para herói da escravatura.» (Diário Incontínuo)

Daí a admiração salazarenta por Salazar...

Será por isso que, em Abril de 74, nas palavras de António Campos em entrevista ao Público (ontem), Mário Soares "não acreditava na cultura democrática do povo português"?

Afinal, Salazar teria razão na sua ideia de que “os portugueses não estão preparados para uma democracia”?
Continuamos a não estar? 
Será cultural?


domingo, 1 de dezembro de 2024

Pedro Tamen - O Dia

Fresco era o dia, plantado na chuva,
jovens os relógios tocando Mozart... 
Os carros corriam, os passos passavam
e os velhos sentados dormiam no tempo
regressos perdidos de todas as sombras.
Pássaro poisado na alma da tarde,
era todo o sol natural inverno...
O mar estava perto nos olhos da gente, 
um barco chegava em cada minuto
e o segredo bailava nas mãos da criança.

 (...)

Pedro Tamen

Pedro Tamen faria hoje 90 anos.

Mozart, Sonata n.º 12, Adagio