«O 25 de Abril libertou-nos o tempo. O futuro deixou de reduzir-se à repetição do presente, mudar cessou de ser um verbo malquisto. O porvir passou a estar em aberto, declinável em várias possibilidades de evolução e transformação. E as pessoas descobriram-se sujeitos do futuro, cidadãs e cidadãos responsáveis pelas escolhas que o determinariam.
(...)
O
tempo tem sido um marcador essencial da vida coletiva democrática. Como tudo o
resto, sujeito à pluralidade e diversidade das representações a seu propósito.
Mas não será difícil entender-nos sobre alguns aspetos cruciais.
A transitoriedade é o elemento básico. Nada é eterno, nada escapa
à usura, cada contexto tem o momento próprio. A lógica republicana impõe
limites ao exercício continuado de funções públicas, obrigando à renovação. As
escolhas não são, por definição, definitivas. A composição dos parlamentos
varia com as circunstâncias: os que hoje são maioria amanhã serão minoria, as
oposições de hoje serão amanhã governo. Programas, políticas, equipas,
lideranças, tudo isso é breve.
Em democracia, o tempo é, portanto, uma passagem. É também de uma
grande plasticidade. Umas vezes acelera, outras abranda. Aqui predomina a
urgência, ali o que faz sentido é parar um pouco para refletir. Esta hora é de
estudar e preparar, aquela de agir sem delongas; e o agir pode ser para
continuar ou para mudar, para consolidar ou para romper um certo estado de
coisas.
Outra característica estrutural do tempo democrático é a
ciclicidade. A escolha política fundacional, que é o sufrágio, determinando
quem representa e quem governa, com que programa, obedece a critérios de
periodicidade e duração.
A eleição é periódica porque nenhum poder é eterno, devendo ser
regularmente aferida a vontade das pessoas. Por exemplo: as eleições
legislativas ocorrem em cada quatro anos, determinam a composição do Parlamento
e é a partir dessa composição – e só dela - que se formam os Governos e as
Oposições.
Mas este intervalo que a renovação pendular delimita é também uma
duração. O tempo dura, e isso é essencial numa democracia. Para que os
programas sejam executados, as políticas aplicadas e os resultados avaliados.
Para que a fiscalização se exerça e diferentes propostas sejam apresentadas e
discutidas. Para que novos programas, protagonistas e coligações se preparem e
maturem. Para que, assim informadas, as pessoas possam, no momento próprio,
comparar e escolher.
Os tempos políticos são diferenciados; e pautarem-se os vários
órgãos de soberania e demais instituições por diversas temporalidades é um dos
ingredientes da estrutura de poderes e equilíbrios em que repousa a democracia.
Depois, o ritmo da política não pode confundir-se com a cadência própria de
outros atores relevantes do espaço público, como os atores sociais, os média ou
os interesses económicos, nem a eles pode ser subordinado. O tempo político não
é indiferente ao pulsar complexo e contraditório da sociedade; mas é a
institucionalidade democrática que pauta o seu andamento, e a sua base
principal é a escolha periódica, livre e soberana dos cidadãos.
Nada disto é novidade, mas talvez seja oportuno lembrá-lo. Aqui e
agora. Aqui no Parlamento que, nos termos da Constituição saída de Abril, é o
coração da representação pluralista e do debate livre, e o centro da dialética
entre Governo e Oposições. Agora que uma certa sofreguidão ameaça propagar-se,
como vírus, no espaço público, pondo em causa vantagens preciosas da sólida
democracia que somos, como tal reconhecida internacionalmente. As vantagens da
estabilidade política, da previsibilidade dos comportamentos institucionais, da
resiliência face à volubilidade das opiniões, da maturação das medidas em
resultados, do sentido de responsabilidade nas palavras proferidas.
Claro que, em democracia, tudo pode ser questionado. Como já
assinalei e faço questão de repetir, o tempo democrático é, por natureza,
passageiro, plástico, diferenciado; e o regime tem mecanismos para evitar a
perpetuação de situações que se tornem insustentáveis. Mas o tempo democrático
é também cíclico, tem um certo ritmo e duração. E, se a Assembleia funciona,
debatendo, fiscalizando, inquirindo, legislando; se o Governo desenvolve e
aplica as suas políticas, com variável acerto, e goza de confiança parlamentar;
se as Oposições vão fazendo caminho de formação e afirmação de alternativas; se
os órgãos de soberania cooperam, no respeito pelas competências uns dos outros;
se inúmeros são os problemas das pessoas e do país, sendo responsabilidade
primacial dos diferentes decisores enfrentá-los – então devemos respeitar o
tempo de cada instituição, sem atropelos nem precipitações. Devemos preferir a
respiração pausada própria de uma democracia madura à respiração ofegante
típica das excitações populistas.
Para benefício de todos. Porque, se todos perderemos no dia em que
aceitarmos que a dinâmica política deve ser insensível às necessidades e ao
ambiente social e pautar-se exclusivamente por procedimentos administrativos e
formais; também todos perderemos no dia em que renunciarmos a distinguir entre
erros localizados, ainda que graves, e crises prolongadas e sistémicas, e no
dia em que aceitarmos que a vida de um Parlamento ou de um Governo – sejam eles
quais forem - está dependente do nível de protesto deste ou daquele setor, do
favor da opinião publicada, da perceção dos média, do ruído nas redes sociais
ou da evolução das sondagens.
Como o conjunto do mundo terreno para o Eclesiastes, a democracia
compreende vários tempos. Há um tempo para analisar e há um tempo para
escolher. Há um tempo para decidir e outro para executar. Há um tempo para
realizar e outro para avaliar. Não se sucedem uns aos outros; a sua copresença
é que define a nossa circunstância. Permanentemente sujeita à contradição e ao
debate, mas também com os graus de liberdade que permitem, aos atores
políticos, referirem a sua ação ao interesse geral, sabendo-se protegidos pela
duração, face à exigência demagógica do império do instante.
As palavras, as palavras que dizemos e as palavras que não
dizemos, contam muito. Deixo, pois, aqui uma defesa convicta do tempo
democrático, que é o ciclo da conjuntura e não a fugacidade dos eventos. Só
assim podemos continuar – todos - o trabalho que temos feito como país:
prosseguindo os interesses permanentes, consolidar, modernizar, mudar o que for
preciso e para evoluir e progredir. Construindo o futuro que o 25 de Abril nos
abriu.»
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