"Quando todos os cálculos complicados se revelam falsos, quando os próprios filósofos não têm nada mais a dizer-nos, é desculpável que nos voltemos para a chilreada fortuita dos pássaros ou para o longínquo contrapeso dos astros ou para o sorriso das vacas."
Marguerite Yourcenar, Memórias de Adriano (revista e acrescentada por Carlos C., segundo Aníbal C. S.)

terça-feira, 25 de abril de 2023

25 de Abril - O tempo democrático


«O 25 de Abril libertou-nos o tempo. O futuro deixou de reduzir-se à repetição do presente, mudar cessou de ser um verbo malquisto. O porvir passou a estar em aberto, declinável em várias possibilidades de evolução e transformação. E as pessoas descobriram-se sujeitos do futuro, cidadãs e cidadãos responsáveis pelas escolhas que o determinariam.

(...)

O tempo tem sido um marcador essencial da vida coletiva democrática. Como tudo o resto, sujeito à pluralidade e diversidade das representações a seu propósito. Mas não será difícil entender-nos sobre alguns aspetos cruciais.

A transitoriedade é o elemento básico. Nada é eterno, nada escapa à usura, cada contexto tem o momento próprio. A lógica republicana impõe limites ao exercício continuado de funções públicas, obrigando à renovação. As escolhas não são, por definição, definitivas. A composição dos parlamentos varia com as circunstâncias: os que hoje são maioria amanhã serão minoria, as oposições de hoje serão amanhã governo. Programas, políticas, equipas, lideranças, tudo isso é breve.

Em democracia, o tempo é, portanto, uma passagem. É também de uma grande plasticidade. Umas vezes acelera, outras abranda. Aqui predomina a urgência, ali o que faz sentido é parar um pouco para refletir. Esta hora é de estudar e preparar, aquela de agir sem delongas; e o agir pode ser para continuar ou para mudar, para consolidar ou para romper um certo estado de coisas.

Outra característica estrutural do tempo democrático é a ciclicidade. A escolha política fundacional, que é o sufrágio, determinando quem representa e quem governa, com que programa, obedece a critérios de periodicidade e duração.

A eleição é periódica porque nenhum poder é eterno, devendo ser regularmente aferida a vontade das pessoas. Por exemplo: as eleições legislativas ocorrem em cada quatro anos, determinam a composição do Parlamento e é a partir dessa composição – e só dela - que se formam os Governos e as Oposições.

Mas este intervalo que a renovação pendular delimita é também uma duração. O tempo dura, e isso é essencial numa democracia. Para que os programas sejam executados, as políticas aplicadas e os resultados avaliados. Para que a fiscalização se exerça e diferentes propostas sejam apresentadas e discutidas. Para que novos programas, protagonistas e coligações se preparem e maturem. Para que, assim informadas, as pessoas possam, no momento próprio, comparar e escolher.

Os tempos políticos são diferenciados; e pautarem-se os vários órgãos de soberania e demais instituições por diversas temporalidades é um dos ingredientes da estrutura de poderes e equilíbrios em que repousa a democracia. Depois, o ritmo da política não pode confundir-se com a cadência própria de outros atores relevantes do espaço público, como os atores sociais, os média ou os interesses económicos, nem a eles pode ser subordinado. O tempo político não é indiferente ao pulsar complexo e contraditório da sociedade; mas é a institucionalidade democrática que pauta o seu andamento, e a sua base principal é a escolha periódica, livre e soberana dos cidadãos.

Nada disto é novidade, mas talvez seja oportuno lembrá-lo. Aqui e agora. Aqui no Parlamento que, nos termos da Constituição saída de Abril, é o coração da representação pluralista e do debate livre, e o centro da dialética entre Governo e Oposições. Agora que uma certa sofreguidão ameaça propagar-se, como vírus, no espaço público, pondo em causa vantagens preciosas da sólida democracia que somos, como tal reconhecida internacionalmente. As vantagens da estabilidade política, da previsibilidade dos comportamentos institucionais, da resiliência face à volubilidade das opiniões, da maturação das medidas em resultados, do sentido de responsabilidade nas palavras proferidas.

Claro que, em democracia, tudo pode ser questionado. Como já assinalei e faço questão de repetir, o tempo democrático é, por natureza, passageiro, plástico, diferenciado; e o regime tem mecanismos para evitar a perpetuação de situações que se tornem insustentáveis. Mas o tempo democrático é também cíclico, tem um certo ritmo e duração. E, se a Assembleia funciona, debatendo, fiscalizando, inquirindo, legislando; se o Governo desenvolve e aplica as suas políticas, com variável acerto, e goza de confiança parlamentar; se as Oposições vão fazendo caminho de formação e afirmação de alternativas; se os órgãos de soberania cooperam, no respeito pelas competências uns dos outros; se inúmeros são os problemas das pessoas e do país, sendo responsabilidade primacial dos diferentes decisores enfrentá-los – então devemos respeitar o tempo de cada instituição, sem atropelos nem precipitações. Devemos preferir a respiração pausada própria de uma democracia madura à respiração ofegante típica das excitações populistas.

Para benefício de todos. Porque, se todos perderemos no dia em que aceitarmos que a dinâmica política deve ser insensível às necessidades e ao ambiente social e pautar-se exclusivamente por procedimentos administrativos e formais; também todos perderemos no dia em que renunciarmos a distinguir entre erros localizados, ainda que graves, e crises prolongadas e sistémicas, e no dia em que aceitarmos que a vida de um Parlamento ou de um Governo – sejam eles quais forem - está dependente do nível de protesto deste ou daquele setor, do favor da opinião publicada, da perceção dos média, do ruído nas redes sociais ou da evolução das sondagens.

Como o conjunto do mundo terreno para o Eclesiastes, a democracia compreende vários tempos. Há um tempo para analisar e há um tempo para escolher. Há um tempo para decidir e outro para executar. Há um tempo para realizar e outro para avaliar. Não se sucedem uns aos outros; a sua copresença é que define a nossa circunstância. Permanentemente sujeita à contradição e ao debate, mas também com os graus de liberdade que permitem, aos atores políticos, referirem a sua ação ao interesse geral, sabendo-se protegidos pela duração, face à exigência demagógica do império do instante.

As palavras, as palavras que dizemos e as palavras que não dizemos, contam muito. Deixo, pois, aqui uma defesa convicta do tempo democrático, que é o ciclo da conjuntura e não a fugacidade dos eventos. Só assim podemos continuar – todos - o trabalho que temos feito como país: prosseguindo os interesses permanentes, consolidar, modernizar, mudar o que for preciso e para evoluir e progredir. Construindo o futuro que o 25 de Abril nos abriu.»

Discurso de Augusto Santos Silva, Presidente da Assembleia da República, na sessão comemorativa do 49.º aniversário do 25 de Abril de 1974.


segunda-feira, 24 de abril de 2023

Chico Buarque - Prémio Camões

Na Sala do Trono do palácio de onde a corte portuguesa saiu para o Brasil, em 1807, e para onde a corte regressou, em 1821, aconteceu, com 4 anos de polémico atraso, a cerimónia da atribuição do Prémio Camões a Chico Buarque.

Nunca um Prémio Camões tinha merecido tanto destaque. E ainda bem! 

Foi bonita a festa, pá!

Chico Buarque, Construção


domingo, 23 de abril de 2023

Dia Mundial do Livro

 

Os livros. A sua cálida,
eterna, serena pele. Amorosa
companhia. Dispostos sempre
a partilhar o sol
das suas águas. Tão dóceis
tão calados, tão leais.
Tão luminosos na sua 
branca e vegetal e cerrada
melancolia. Amados
como nenhuns outros companheiros
de alma. Tão musicais
no fluvial e transbordante
ardor de cada dia.
Eugénio de Andrade

sábado, 22 de abril de 2023

Estava delicioso...

«Um homem caminhava por uma floresta. Anoitecia. Escuro. De repente, o rugido de um leão. O homem teve muito medo. Correu. No escuro não viu por onde ia. Caiu num precipício. No terror da queda agarrou-se a um galho que se projetava sobre o abismo. E assim ficou pendurado entre o leão e o vazio. De repente, olhando para a parede do precipício, viu uma plantinha e, nela, uma fruta vermelha. Era um morango. Ele estendeu o seu braço, colheu o morango e o comeu. Estava delicioso...»

Afonso Cruz



Dia da Terra

Ilha Terceira, vista a partir da Serra do Cume

Palavras para quê?


Aniversário do Museu Nacional de Arqueologia

Foi há 120 anos que se iniciou a instalação do Museu Nacional de Arqueologia, à época chamado de Museu Etnológico Português, na ala oitocentista do Mosteiro dos Jerónimos.

Exatamente 3 anos depois - 22 de Abril de 1906 -, o museu abriu ao público.

O interior do museu com o mobiliário inicial, com vitrinas
herdadas do extinto Museu Industrial e Comercial 
de Lisboa, antes instalado no mesmo espaço.

O Museu encontra-se encerrado, num processo de ampla remodelação, com um custo estimado superior a 24 milhões de euros (no âmbito do PRR), só devendo reabrir em 2025. 

O Museu Nacional de Arqueologia foi o meu primeiro local de trabalho, em finais de 1982. A falta de verbas (tão comum a todas as épocas e muito mais nas vésperas de nova intervenção do FMI antes da integração europeia) levou a uma curta experiência profissional. Não sei o que será possível fazer nas actuais instalações, pois o espaço não será o mais propício e qualquer intervenção estará muito condicionada pela integração do Museu num monumento nacional como o Mosteiro dos Jerónimos.

Há alguns anos, quando do projeto da mudança do Museu Nacional dos Coches para as suas novas instalações, houve quem referisse a maior urgência de construção de um novo Museu de Arqueologia. Mas quem ganhou o novo espaço (que considero desadequado) foram os coches. 


Enquanto duram as obras, a equipa do Museu tem oportunidade de se concentrar numa intensa campanha de estudo, levantamento fotográfico/digitalização e conservação e restauro do acervo do Museu.


quarta-feira, 19 de abril de 2023

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DN - Crónica de uma morte anunciada

Os membros eleitos do Conselho de Redação e as delegadas sindicais do Diário de Notícias entregaram esta terça-feira, 18 de Abril, ao Presidente da República, esta CARTA ABERTA, aprovada num plenário da redação realizado no dia 8 de Março. Apelo a que a divulguem, de todas as formas possíveis. Eis o seu conteúdo, na íntegra.

CARTA ABERTA DA REDAÇÃO DO “DIÁRIO DE NOTÍCIAS”
«Dirigimo-nos a todos os que em Portugal percebem a necessidade de pluralismo na comunicação social para que o princípio democrático se mantenha forte.
É a estes que a redacção do DN vem apelar para que connosco se mobilizem na defesa de uma inversão no rumo de degradação do DN enquanto jornal de referência.
(...)
Sabemos bem que a massificação da internet criou problemas globais de sobrevivência dos “media”; não ignoramos os problemas nacionais de pobreza e iliteracia. Mas a este contexto somam-se causas próprias de incompetência na gestão empresarial do jornal, como o foram os recentes avanços e recuos na decisão de abandonar a edição diária impressa por uma semanal, de forma totalmente imprudente e que apenas serviu para sustentar mais um processo de esvaziamento da redação.
Sem jornalismo, a democracia morre na escuridão - este é desde 2017 o lema do Washington Post.
Acreditamos nisso. Acreditamos na missão do jornalismo e na sua importância fundamental na vida democrática e na defesa dos direitos humanos.
Acreditamos num jornalismo que faz diferença. Com rigor, acutilância, assertividade, coração e ganas. Somos jornalistas, não "produtores de conteúdos". Queremos continuar jornalistas.
Morrendo o DN como jornal de referência, o panorama do jornalismo de imprensa ficará substancialmente reduzido. Ficará um pouco mais escuro; a democracia ficará a perder. Num momento em que o ideal democrático parece por vezes perder fulgor, queremos crer que a sociedade portuguesa não ficará indiferente ao nosso apelo.»

Concordo com os princípios expostos sobre o jornalismo e o seu papel.
Lamento muito a situação de um jornal histórico como o Diário de Notícias.
Mas a degradação da sua qualidade nos últimos anos...
Quando a gestão de um jornal está longe de ter os princípios e as preocupações com a função do jornalismo acima enunciados...

Dizem* que Einstein escreveu que chegaria o tempo em que os muito ricos controlariam de tal forma os meios de comunicação, que seria quase impossível as pessoas comuns tomarem decisões informadas e, assim, a democracia estaria em risco.

*Dizem (às vezes já não sabemos se devemos acreditar). Mas o sentido da frase é real (quem quer que seja o seu autor). 


segunda-feira, 17 de abril de 2023

Em nome dos estudantes da Universidade de Coimbra, peço a vossa excelência para usar da palavra

 Coimbra, 17 de Abril de 1969.


O Presidente da República e os ministros da Educação, Justiça e Obras Públicas deslocaram-se a Coimbra para inaugurar o novo edifício de Matemáticas na Cidade Universitária.
Foram recebidos por centenas de estudantes que empunhavam cartazes defendendo a democratização do ensino.
Na sessão de inauguração, Alberto Martins, o representante dos estudantes pretendeu usar da palavra. Foi impedido.
A comitiva do Presidente Américo Tomás abandonou rapidamente o edifício, entre vaias dos estudantes.
Na madrugada do dia seguinte, Alberto Martins, presidente da direcção-geral da Associação Académica de Coimbra, seria preso pela PIDE.
Iniciava-se a chamada "crise académica" de 1969.
O ministro da Educação era José Hermano Saraiva.


Tão amigos que nós somos... ou que nós éramos?

 

A evidência de uma das muitas contradições na história da guerra.

A História é (um)a constante luta de interesses. 
E estão as almas puras e virtuosas escandalizadas com as declarações de Lula da Silva sobre a guerra na Ucrânia e os interesses envolvidos (incluindo os do próprio).


quinta-feira, 13 de abril de 2023

Dizem que é o Dia do Beijo

Aprendi há pouco, com o Museu Arqueológico de S. Miguel de Odrinhas, que para os romanos havia 3 tipos de beijo: o osculum (na mão ou na face), o basium (nos lábios) e o savolium (o beijo apaixonado... [onde?]).


Disco de terracota de época romana com representação em relevo de um casal a beijar-se. 
Oriundo de Tarsus (Turquia).


sexta-feira, 7 de abril de 2023

Ecce Homo

«Uma vez mais, Pilatos saiu do palácio e foi dizer aos judeus: "Eu vou trazê-lo cá fora, para que saibam que não encontro nenhuma razão para o mandar matar." Quando Jesus saiu do palácio, trazia a coroa de espinhos na cabeça e o manto vermelho pelos ombros. Pilatos disse aos judeus: "Eis o homem!" Quando os chefes dos sacerdotes e os guardas do templo o viram, começaram a gritar: "Crucifica-O! Crucifica-O!"»
João, 19:4-6

Quentin Metsys, Ecce Homo

Uma Páscoa feliz


domingo, 2 de abril de 2023

Ryuichi Sakamoto (1952-2023)

 "Saber estar no silêncio é o princípio."


Uma música que ganhava espaços de silêncio...

Obrigado pela música, Ryuichi Sakamoto