"Quando todos os cálculos complicados se revelam falsos, quando os próprios filósofos não têm nada mais a dizer-nos, é desculpável que nos voltemos para a chilreada fortuita dos pássaros ou para o longínquo contrapeso dos astros ou para o sorriso das vacas."
Marguerite Yourcenar, Memórias de Adriano (revista e acrescentada por Carlos C., segundo Aníbal C. S.)

quarta-feira, 29 de julho de 2020

Capitão Teófilo Bento

Morreu mais um Capitão de Abril - Teófilo Bento.

Figura central da Escola Prática de Administração Militar (EPAM), na madrugada de 25 de Abril iria ter um papel destacado na sublevação da unidade e na organização da coluna que iria ocupar a RTP.

Vários camaradas seus referem, a propósito da organização do 25 de Abril, a sua "inabilidade conspirativa": com facilidade se abeirava deles para lhes perguntar abertamente se estavam disponíveis para "participar numa acção militar para derrubar o regime".



segunda-feira, 27 de julho de 2020

Na morte de Salazar - Nenhum estremecimento abalou o país

«Morreu Salazar. Mas tarde de mais para ele e para nós, os que o combatíamos. Para ele, porque não morreu em glória, como sempre deve ter esperado; para nós, porque o não vimos morrer na nossa raiva, na nossa humilhação, na nossa revolta. Viveu a frio conscientemente, envolto numa redoma de severidade gelada, a meter medo, e acabou por morrer a frio inconscientemente, numa preservada agonia amolecida, a meter dó. A doença desceu-o de super-homem a homem, e a duração dela, de homem a farrapo humano. E, quando há pouco chegou a notícia de que se finara de vez, nenhum estremecimento abalou o país. Nem o dos partidários, nem o dos adversários. Para uns, a sombra definitiva do cadáver sobrepôs-se apenas à bruxuleante luz do ídolo; para os outros, o sentimento de piedade cobriu cristãmente o ressentimento sectário. A obra de domesticação nacional estava realizada há muito por uma tenacidade dominadora que utilizava apenas as qualidades negativas do português, e não tinha outra sabedoria do tempo senão a lição da rotina sancionada nos códigos do passado. A fome de aventura, a inquietação da liberdade, o alento da esperança, o orgulho, o brio, a alegria e a coragem - tudo fora sistemática e impiedosamente apagado na lembrança da grei. Daí que se não vislumbrem quaisquer sinais de tristeza aterrada, e, menos ainda, de euforia redentora. A nação inteira passou, sem qualquer sobressalto, de respirar monotonamente com ditador, a respirar monotonamente sem ele.»
Coimbra, 27 de Julho de 1970
Miguel Torga, Diário XI

Caricatura de João Abel Manta, editada em Caricaturas Portuguesas dos Anos de Salazar


Há 50 anos...

«Agora mesmo (é perto do meio-dia) a Emissora tocou A Portuguesa (roubaram-nos tudo) e noticiou a morte de Salazar, às 9 e 15 da manhã de hoje.
Evoquei mentalmente Humberto Delgado - assassinado e enterrado como um cão.
Agora vamos assistir à comédia das grandes dores oficiais - ajudadas por uma propaganda tenaz.

Ao mesmo tempo vai beber-se muito champanhe por essa sinistra pátria fora...»
José Gomes Ferreira, Dias Comuns IX


terça-feira, 21 de julho de 2020

A Voz da (minha) Memória do 25 de Abril



«Nas comemorações dos trinta anos do 25 de Abril tive a ocasião de ir a várias escolas, e uma das coisas que me deslumbra nestes contactos com os jovens das escolas, é verificar que alguns deles descobrem a grande generosidade que esteve na génese da revolução. Como tu dizes, na maior parte do mundo, quando se fala de Portugal fala-se da festa que foi a revolução portuguesa, muito mais do que em Portugal. Nós perdemos a dimensão do que significava a festa que vivemos.»
Luís Filipe Costa (excerto de uma entrevista, em 2005)


domingo, 12 de julho de 2020

Soneto XVII e o amor de Modigliani

Não te amo como se fosses rosa de sal, topázio
ou seta de cravos que propagam o fogo:
amo-te como se amam certas coisas obscuras,
secretamente, entre a sombra e a alma.

Amo-te como a planta que não floriu e tem
dentro de si, escondida, a luz das flores,
e, graças ao teu amor, vive obscuro em meu corpo
o denso aroma que subiu da terra.

Amo-te sem saber como, nem quando, nem onde,
amo-te diretamente sem problemas nem orgulho:
amo-te assim porque não sei amar de outra maneira,

a não ser deste modo em que nem eu sou nem tu és,
tão perto que a tua mão no meu peito é minha,
tão perto que os teus olhos se fecham com meu sono. 


Pablo Neruda, Cem Sonetos de Amor 

Pablo Neruda nasceu a 12 de Julho, assim como Amedeo Modigliani (20 anos mais cedo).

Amedeo e Jeanne


segunda-feira, 6 de julho de 2020

Morricone, The Good

1928 - 2020





Resfriadinho?

Desconfio que o teste positivo de Bolsonaro será equivalente à gravidade da facada que levou antes da eleição para a presidência.
Sairá do caso como um intrépido herói...

Sobre o respeito devido à vida humana, recordo...


«Eu espero que [o mandato de Dilma] acabe hoje, enfartada ou com câncer, de qualquer maneira. O Brasil não pode continuar sofrendo com uma incompetente, ou 'incompetenta' à frente de um país tão grande e maravilhoso como é este aqui.»


quarta-feira, 1 de julho de 2020

Amália - 100 anos no dia que escolheu

«Não sei o dia em que nasci. Nem eu, nem ninguém na minha família. Ligaram tão pouca importância ao meu nascimento, era uma família tão grande, que não sabem. Uns diziam que nasci a 1 de Julho, outros no dia 12, outros a 4 ou a 14. A minha avó dizia que eu tinha nascido no tempo das cerejas, que vai de Maio a Julho. Então eu escolhi o dia 1 de Julho para fazer anos. Mais tarde, quando tive de tirar papéis para fazer exame, vinha 23 de Julho. Resolvi guardar as duas datas, porque assim sempre podia fazer duas festas de anos, com um vinhito abafado e uns bolos secos.»

Vitor Pavão dos Santos, Amália (uma biografia)