"Quando todos os cálculos complicados se revelam falsos, quando os próprios filósofos não têm nada mais a dizer-nos, é desculpável que nos voltemos para a chilreada fortuita dos pássaros ou para o longínquo contrapeso dos astros ou para o sorriso das vacas."
Marguerite Yourcenar, Memórias de Adriano (revista e acrescentada por Carlos C., segundo Aníbal C. S.)

domingo, 13 de abril de 2025

Carlos Matos Gomes (1946 - 2025)


Morreu Carlos Matos Gomes, um dos mais destacados elementos do Movimento dos Capitães na Guiné, berço do nascimento do espírito que levaria ao 25 de Abril.

Sempre muito interventivo na defesa dos valores por que se bateu mais de cinco décadas, "comando" nas três frentes de guerra (Angola, Moçambique e Guiné), foi um dos militares descartados com o 25 de Novembro.

Seguia-o nas suas análises políticas, argutas, por via de regra em contracorrente, mas, sempre, comprometidamente livres.

Comecei por o conhecer pelo nome de Carlos Vale Ferraz, pseudónimo com que assinou um conjunto de romances em que as questões em torno da guerra colonial são centrais.

Investigou e publicou sobre História Contemporânea de Portugal, nomeadamente Guerra Colonial, com Aniceto Afonso.

Vítima de doença oncológica, fez o deve e haver de uma vida em Geração D (editado em Março de 2024) .

«Esta geração protagonizou a grande mudança da história de Portugal, a que acabou com a ditadura, com a guerra, com as leis da sociedade patriarcal, mas continuou a conviver com a ideia de um glorioso passado em simultâneo com a ilusão de um futuro maravilhoso. É a geração de outros D: da Democracia, da Deserção, da Descolonização, das Doutrinas e do Doutrinar, da Discussão, da Dialéctica, do Desmistificar e do Desmitificar, do Desmobilizar, da Denúncia, da Desobediência, do Divórcio.

A Geração D viveu sob um regime de "doidos do império" e libertou-se dele! Calhou-lhe ser a primeira geração que, pela liberdade e universalidade do voto, foi inteiramente responsável pelo seu presente e pelo seu futuro.

Obedecer ou contestar? Falar ou calar-se? Recordar ou esquecer? Manter os ideais ou renegá-los? Vender-se no mercado ou manter-se fora da montra? Dilemas éticos e morais que têm provocado enjoos.

O D dos Dilemas é também o do Desafio e o do Desprezo pelos Desprezíveis da Geração D.»


sexta-feira, 11 de abril de 2025

Impagável


Dei duas valentes gargalhadas: uma pela ideia da milenar aliança entre Itália (Roma) e EUA, outra pelas expressões faciais da tradutora.

A imagem foi partilhada por uma amiga no fb e tem data recente.
Pelo sim, pelo não, fui verificar. Não que duvidasse da capacidade de Trump dizer o que, de facto, disse...

O momento não tem a ver com o actual mandato - verificou-se no anterior mandato, em 16 de Outubro de 2019, durante uma conferência de imprensa, quando o Presidente de Itália, Sergio Mattarella visitou a Casa Branca.
A intérprete de Mattarella, Elisabetta Savigni Ullmann, parecia notavelmente confusa, enquanto Trump falava de assuntos externos dos EUA.

Sobre a Síria, Trump afirmou: “They’ve got a lot of sand over there. So there’s a lot of sand they can play with.”

Sobre os laços culturais entre EUA e Itália, declarou que... "Remontam a milhares de anos, à Roma Antiga." (“Date back thousands of years to Ancient Rome”). 

Priceless!


quarta-feira, 9 de abril de 2025

Apanhar bonés



Aind'a bunda

A bunda, que engraçada.
Está sempre sorrindo, nunca é trágica.

Não lhe importa o que vai
pela frente do corpo. A bunda basta-se.
Existe algo mais? Talvez os seios.
Ora – murmura a bunda – esses garotos
ainda lhes falta muito estudar.

A bunda são duas luas gémeas
em rotundo meneio. Anda por si
na cadência mimosa, no milagre
de ser duas em uma, plenamente.

A bunda se diverte
por conta própria. E ama.
Na cama agita-se. Montanhas
avolumam-se, descem. Ondas batendo
numa praia infinita.

Lá vai sorrindo a bunda. Vai feliz
na caricia de ser e balançar.
Esferas harmoniosas sobre o caos.

A bunda é a bunda,
redunda.
Carlos Drummond de Andrade


A propósito da dimensão do cérebro
de quem motivou estes poemas


Só a bunda existia, o resto era miragem


vestido de pinguim

Era bom alisar seu traseiro marmóreo

Era bom alisar seu traseiro marmóreo
e nele soletrar meu destino completo:
paixão, volúpia, dor, vida e morte beijando-se
Em alvos esponsais numa curva infinita.

Era amargo sentir em seu frio traseiro
a cor de outro final, a esférica renúncia
a toda a respiração de amá-la de outra forma.
Só a bunda existia, o resto era miragem.

Carlos Drummond de Andrade


domingo, 6 de abril de 2025

Indignação contra o betão

Manifestação, ontem, pelo resgate da Quinta dos Ingleses, contra o excesso de construção, pela protecção da orla costeira e dos parques urbanos e naturais no concelho de Cascais.



A mancha verde da Quinta ainda se vê ao longe, mas a verdade é que as obras da responsabilidade da Alves Barbosa avançam...

A mancha verde da Quinta dos Ingleses antes do seu futuro desaparecimento

Os hotéis da polémica (os mais centrais) na frente marítima de Carcavelos  


sábado, 5 de abril de 2025

Quem é que, afinal, percebe de comboios?


De antecessores a assessores, estas notícias deixam ver rabos de palha.                                             Eu não percebo de administração (nem de assessoria).                                                                                                                                      A administração não tem, à partida, gente especializada? Precisam de assessores?                  Os antecessores, actuais assessores, enquanto administradores, também tinham assessores?                                                                                    (só faltava que fossem os actuais administradores!)                                                                              São tantos os administradores como os assessores?                                                                              Por que razão mudaram os administradores?        Uns têm o cargo e outros o conhecimento?              Ganham mais os administradores ou os assessores (porque são gente especializada)?


Remover as nuvens


Foto de Annie Leibovitz
 

Joni Mitchell, Both sides now


sexta-feira, 4 de abril de 2025

III Congresso da Oposição Democrática - 4 a 8 de Abril de 1973


Entre 4 e 8 de Abril de 1973 decorreu em Aveiro, no antigo Cineteatro Avenida, o III Congresso da Oposição Democrática. Os dois congressos anteriores tiveram a designação de Congresso Republicano, mas na Oposição também havia lugar para monárquicos.


O ambiente era de desilusão perante o fracasso das reformas de Marcelo Caetano e a continuação da Guerra Colonial.

“Pela primeira vez se tentava a nível nacional a elaboração de um completo diagnóstico da sociedade portuguesa acompanhado de um verdadeiro programa de transformação nos mais variados sectores de governação, no âmbito de um processo amplamente participado.” (António Reis)

A declaração final estabelecia os objectivos a atingir, nomeadamente o fim da Guerra Colonial (houve a defesa do início das negociações com vista à concessão da independência a Angola, Moçambique e Guiné-Bissau), as liberdades democráticas e, declaradamente, “o objectivo final da conquista do socialismo”. O Partido Socialista seria fundado poucos dias depois (19 de Abril).

Na sua intervenção, José Medeiros Ferreira já previu, não sem alguma polémica, o envolvimento das Forças Armadas no derrube do regime, sendo também na sua comunicação ao Congresso que foram consagrados os célebres "Descolonizar", "Democratizar" e "Desenvolver", subtítulos da tese que apresentou e objectivos assumidos mais tarde no programa do MFA no pós-25 de Abril.

Consta que estiveram presentes vários Capitães que viriam a pertencer ao MFA.

As teses foram publicadas em sete volumes, dos quais quatro só foram publicados após o 25 de Abril de 74.


O Governo Civil de Aveiro proibiu qualquer acto público fora do espaço onde decorriam os trabalhos. Quando cerca de 500 congressistas decidiram fazer uma romagem cívica à sepultura do Dr. Mário Sacramento (1920 - 1969), médico e escritor oposicionista, ligado à organização dos primeiros congressos, houve uma violenta carga policial, tendo várias pessoas ficado feridas.




Documentário da RTP: Aveiro nos caminhos de Abril


"Os pinguins estão a roubar-nos há anos"







terça-feira, 1 de abril de 2025

1 de Abril

Já não se dizem mentiras como antigamente!


Hoje, só se dizem verdades!


quarta-feira, 26 de março de 2025

EUA - UE - Ucrânia: Intuições

Este cartoon não é de agora - remete, pelo menos, para Julho de 2023.

(Já não me recordo de onde o roubei...)


Os amados jacarandás e os sobreiros esquecidos

Gosto de ver como dezenas de milhares de lisboetas se mobilizam para defender 25 jacarandás ameaçados de corte pela CML, por atrapalharem a construção de um parque de estacionamento.

São curiosos estes fenómenos.

Desconheço que haja uma mobilização assim pela criação de condições para um bom funcionamento do Serviço Nacional de Saúde ou para um ensino de qualidade nas escolas públicas.

Uma Petição Pública contra o abate de sobreiros no parque eólico de Morgavel (1070 sobreiros) teve, até ao momento, 14010 assinaturas.

O sobreiro, consignado como Árvore Nacional de Portugal desde 2011, está a conseguir aqui 13 assinaturas por exemplar.

Há minutos, havia 1856 assinaturas por cada jacarandá. E o número está a crescer rapidamente. Já alguém afirmava que o jacarandá, de origem sul-americana, "era um símbolo de Lisboa". 

Uma outra Petição contra o abate dos 1800 sobreiros para parque eólico da EDP em Sines tem... 1054 assinaturas. Não chega a uma por sobreiro!

Nada contra os jacarandás (acho-os muito bonitos), nada contra parques eólicos, mas faz-me mais frenicoques a destruição de amplas zonas de montado (de sobro ou de azinho) para se construírem parques eólicos ou centrais solares. 
Para se proteger o ambiente... destrói-se ambiente. E os sobreiros demoram dezenas de anos a crescer e a ter rentabilidade económica. 
Outros interesses se "alevantarão". 




O caso dos jacarandás já me fez assinar as duas petições pelos sobreiros.


terça-feira, 25 de março de 2025

"Coerências"... ou variações em Ré maior


Relato da discussão da moção de confiança,
Público, 11 de Março

«Tentámos a todo o custo, até à última hora, evitar a criação de eleições antecipadas.»

«Tentámos tudo mas mesmo tudo o que estava ao nosso alcance.»


24 de Março

Montenegro está muito mais confiante depois de um candidato arguido ter registado uma clara vitória eleitoral. 

«Montenegro acredita que “extraordinária vitória” do PSD na Madeira “acontecerá em todo o país”
Destacando "mais uma extraordinária vitória do PSD”, Luís Montenegro sinalizou que “o povo madeirense provou uma vez mais a sua paciência para resolver nas urnas aquilo que os políticos não foram capazes” de resolver no parlamento regional.» (Público, 24 de Março)

Há pouco mais de um ano, Montenegro defendia que «um político que esteja envolvido num caso judicial deve, "por princípio", demitir-se.»
E Montenegro não é persona grata na Madeira.

Quando a vox populi é tão acusatória da corrupção dos políticos, é extraordinário um arguido acusado por corrupção vencer as eleições da forma que o PSD/Miguel Albuquerque venceu.

A propósito das eleições para a Assembleia Regional da Madeira, Teresa Ruel, "professora de Ciência Política na Universidade Lusófona, que se dedica à investigação das eleições regionais na Madeira, Açores e Canárias" considera que os seus resultados comprovam o que estudos já tinham indiciado: «Os eleitores que se posicionam à direita tendem a desvalorizar a corrupção no acto eleitoral. A corrupção não é um tópico fundamental para o eleitorado.» (Público, 24 de Março)

O André é um exemplo, a valorização do combate à corrupção é só da boca para fora.
O seu foco é ser ele próprio o "gerente" da corrupção.

Por mim, cada vez estou mais crente nas vitórias dos chicos-espertos. 
André ainda tem hipóteses de sucesso, Montenegro não falhará!


sexta-feira, 21 de março de 2025

Blood On The Rooftops

Muito a propósito dos nossos dias e das notícias by TV...

Dos velhos Genesis - já sem Peter Gabriel, mas ainda com Steve Hackett, aqui dedilhando a sua guitarra.



Dia da Poesia e da velha Primavera

O Dia da Poesia, a 21, coincidia com a entrada na Primavera. Devia ser por causa das flores, dos passarinhos, das borboletas e das outras coisas assim. 

Agora, a Primavera antecipa-se e o Dia da Poesia chega atrasado. Está mal feito! 

Devia ser automático, como os relógios modernos quando da mudança da hora...

Quando vier a primavera, 
Se eu já estiver morto, 
As flores florirão da mesma maneira 
E as árvores não serão menos verdes que na primavera passada. 
A realidade não precisa de mim.

Sinto uma alegria enorme 
Ao pensar que a minha morte não tem importância nenhuma.

Se soubesse que amanhã morria 
E a primavera era depois de amanhã, 
Morreria contente, porque ela era depois de amanhã. 
Se esse é o seu tempo, quando havia ela de vir senão no seu tempo? 
Gosto que tudo seja real e que tudo esteja certo; 
E gosto porque assim seria, mesmo que eu não gostasse. 
Por isso, se morrer agora, morro contente, 
Porque tudo é real e tudo está certo.

Podem rezar latim sobre o meu caixão, se quiserem. 
Se quiserem, podem dançar e cantar à roda dele. 
Não tenho preferências para quando já não puder ter preferências. 
O que for, quando for, é que será o que é.

Alberto Caeiro


A crise da habitação e a competência da iniciativa privada



Um exemplar do empreendedorismo da iniciativa privada.


terça-feira, 18 de março de 2025

O mestre e o bazófias


Seriedade, para mim, no sentido de que estuda e prepara os pormenores - faz o TPC -, enrolando o cábula presunçoso e displicente. 



domingo, 16 de março de 2025

Camilo e Saramago - o Mestre e o Aprendiz

Casa de Camilo - S. Miguel de Seide

A 28 de Fevereiro de 1999, poucos meses depois de ter recebido o Nobel, Saramago deslocou-se a S. Miguel de Seide, acompanhado de Pilar, depositou sobre a mesa de Camilo um magnífico ramo de rosas e escreveu no Livro de Honra: "Na casa onde Camilo saiu da vida para entrar na eternidade do génio, venho trazer rosas. Venho também trazer o prémio que me deram, o seu valor simbólico, que Camilo merece, como provavelmente nenhum outro escritor português. Eu, aprendiz, deixo rosas ao Mestre".




O essencial sobre Camilo

«Eis um homem que não precisa de apelido para ser identificado na vida e na literatura. Dizemos Camilo – e esse nome chega para designar um rosto e uma obra inconfundíveis. Camilo evoca "o romance do romancista", tão dramático como o das suas personagens, e uma longa fila de livros, que toda a gente conhece ao menos de título: Amor de PerdiçãoNovelas do Minho… Camilo, que constitui todo um capítulo, e fundamental, da literatura portuguesa do século XIX e é tema de especialistas, foi sempre um autor popular: lêem-no tantos letrados como o homem da rua. É popular e ao mesmo tempo complexo, vasto e vário pelo número de títulos e a diversidade de géneros, como um continente ou uma floresta que nunca se conhece por mais que se explore. Há segredos, zonas recônditas que talvez nunca se revelem – nem ao explorador mais animoso e mais audaz. Quem é Camilo? Um enigma que se levanta numa encruzilhada da literatura para desafiar a nossa paciência e a nossa perspicácia.»

João Bigotte Chorão, O essencial sobre Camilo

Desenho de Helder Oliveira, Expresso


Camilo Castelo Branco - 200.º aniversário do nascimento

«Camilo nasceu, em Lisboa, a 16 de Março de 1825, conforme os registos oficiais, e também por ironia do Destino. É como se Maomé tivesse nascido na Gronelândia. 

Onde Camilo nasceu, ou, antes, renasceu, foi na Samardã de Trás-os-Montes. Aquela serrania é a mãe do seu renascimento, e o repôs num berço de fragas, não em corpo, mas em alma predestinada.»

Teixeira de Pascoaes, O Penitente


Camilo Castelo Branco estava convencido que tinha nascido no Largo do Carmo, onde viveu em criança e onde esteve a lápide que ali assinalava o seu nascimento.

Só mais tarde, um dos seus vários biógrafos descobriu que o seu nascimento se dera no n.º 9 da Rua da Rosa, ao Bairro Alto. Há um século, a lápide passou da casa do Largo do Carmo para o 2.º andar do prédio da Rua da Rosa.

Mas as incertezas da sua biografia são tão grandes que a mãe chega a ser identificada com sete nomes diferentes, qual deles o verdadeiro. Esse foi rasurado no registo de baptismo na Igreja dos Mártires. Ficou registado como filho de mãe incógnita!... A madrinha, está no registo paroquial, foi... N. Sr.ª da Conceição. 

Como o próprio Camilo escreveu numa carta ao visconde de Ouguela, "Ainda não viste biografia mais atrapalhada".   

A vida de Camilo dava um romance. Que o diga Aquilino Ribeiro... ou Teixeira de Pascoaes.