"Quando todos os cálculos complicados se revelam falsos, quando os próprios filósofos não têm nada mais a dizer-nos, é desculpável que nos voltemos para a chilreada fortuita dos pássaros ou para o longínquo contrapeso dos astros ou para o sorriso das vacas."
Marguerite Yourcenar, Memórias de Adriano (revista e acrescentada por Carlos C., segundo Aníbal C. S.)

sábado, 11 de janeiro de 2025

Al Berto - Mar de Leva

Sines, onde Al Berto viveu grande parte da sua vida

«(...) em ti acostam os barcos e a sombra dos grandes navios do mundo
vive o peixe, agitam-se algas e medusas de mil desejos
em ti descansam os pássaros chegados doutras rotas
secam as redes, põe-se o sol
em ti se abandona a ressaca das ondas e o sal dos meus olhos
as árvores inclinadas, os frutos e as dunas
em ti pernoita a seiva cansada das palavras, o suco das ervas e o açúcar transparente das camarinhas
em ti cresce o precioso silêncio, as ostras doentes e as pérolas dos mares sem rumo
em ti se perdem os ventos, a solidão do mar e este demorado lamento»

Al Berto, Mar de Leva

Al Berto - 77 anos

 

Faltou-lhe o tempo... 

Al Berto nasceu a 11 de Janeiro de 1948 e faleceu antes de cumprir os 50 anos de idade.

 

sexta-feira, 10 de janeiro de 2025

Júlio Pomar e Camilo Castelo Branco

Camilo Castelo Branco desenhado por Júlio Pomar
Estudo para O Romance de Camilo, de Aquilino Ribeiro

Em 1957, Júlio Pomar concebeu um largo conjunto de desenhos para ilustrar a edição de O Romance de Camilo de Aquilino Ribeiro, saído esse ano dos prelos da Fólio.

«Tomando para tema a figura e as personagens de Camilo, Mestre Júlio Pomar penetrou e interpretou, por outro lado, com agudíssimo traço de sensibilidade estética e literária, o âmago da simbiose que os historiadores ou os críticos desde sempre sublinharam entre a vida do autor e a existência das personagens que ele criou pela ficção. Se, na fúria angustiosa e tantas vezes apressada do seu trabalho de criação, Camilo pouca atenção dava ao "estudo" psicológico das personagens que se movimentavam no agitado palco da sua comédia humana, arrastadas como ele no torvelinho das paixões que as sacudiam segundo os cânones da emocionalidade romântica, Mestre Júlio Pomar, seu privilegiado leitor e intérprete, soube com um traço que, por assim dizer, transcende a materialidade do suporte do seu desenho, aventurar-se com certeira acuidade numa hermenêutica psicológica, à primeira vista específica dos críticos literários (...)»

Aníbal Pinto de Castro, primeiro diretor do Centro de Estudos Camilianos, 1 de Junho de 2005 (data da inauguração deste Centro)

Na edição da Fólio, cruzam-se três mestres: Camilo Castelo Branco, Aquilino Ribeiro e Júlio Pomar.  


E este ano comemoram-se os 200 anos do nascimento de Camilo (16 de Março de 1825).
Entre os 500 de Camões e a panteonização de Eça, Camilo parece esquecido.  


Júlio Pomar a caminho do centenário


O Mestre faria hoje 99 anos.

«Viveu em tempos um pintor que quase nunca conseguia acabar de pintar uma ave, fosse ela uma cegonha ou uma garça. Quando se preparava para dar a última pincelada, ela levantava voo.

E o pintor ficava muito tempo ainda a persegui-la com o pincel no céu azul...»

Jorge Sousa Braga, A última pincelada



quinta-feira, 9 de janeiro de 2025

Novo repouso em paz para Eça

«Entretanto, soube-se que Cristiano Ronaldo comprou o avião mais luxuoso do mundo, feito especificamente para si e que inclui uma biblioteca recheada com milhares de clássicos da literatura portuguesa dos séculos XIX e XX, onde Eça também repousará em paz.»

Maria Isabel Roque, https://amusearte.hypotheses.org/11375


Sonhos, ficção e criatividade


«(...) fui percebendo que os sonhos são uma ficção, algo que o nosso cérebro inventa, provavelmente porque está a funcionar de modo diferente daquele em que funciona quando estamos acordados e que podemos considerar imperfeito. O movimento criativo também tem essa imperfeição de base. É necessária alguma distracção, não estarmos num foco demasiado prático, literal. A experiência de sonhar acordados contém em si a ideia da criatividade.» (Paulo Bugalho)



terça-feira, 7 de janeiro de 2025

Eça de Queirós a caminho do Panteão

Parece estar a chegar ao fim a saga em torno dos restos mortais de Eça de Queirós (ou Queiroz? Tenho sempre dúvida).


Em Tormes, para despedida das terras de Baião, voltou a estar em câmara ardente - entre Paris, Lisboa, Santa Cruz / Tormes - quantas câmaras ardentes?

Pelo que li, irá inaugurar a quarta sala tumular localizada num dos ângulos de Santa Engrácia, ao nível do piso térreo.

Quem serão os seus futuros companheiros? Alguém com quem possa conversar nas noites que deverão ser frias? 

Gostava de saber o que escreveria Eça, que, na qualidade de morto, tal como em vida, já muito viajou.

Quem é que irão "recuperar" a seguir ou de quem é que se lembrarão? O espaço é limitado...


sábado, 4 de janeiro de 2025

Parabéns, John McLaughlin!

Lotus Feet

John McLaughlin faz hoje 83 anos.

Neste vídeo, gravado em 2013, o guitarrista toca com o violinista Jean-Luc Ponty e o percussionista Zakir Hussain, falecido no mês passado.


Parabéns, Beth Gibbons!


Beth Gibbons faz hoje 60 anos.


sexta-feira, 3 de janeiro de 2025

Helder Macedo vence Prémio Vasco Graça Moura

O Prémio Vasco Graça Moura - Cidadania Cultural foi este ano atribuído a Helder Macedo, figura incontornável da literatura e academia portuguesa.

Poeta, romancista, ensaísta e professor universitário com brilhante carreira académica no King's College (Londres, cidade em que se exilara em 1960) até à sua aposentação, Helder Macedo, actualmente já com 89 anos, é celebrado pela sua vasta obra literária e pelo impacto significativo na promoção da cultura e da cidadania cultural.

Um dos grandes especialistas em Camões (foi titular da cátedra Camões no King's College), Bernardim Ribeiro e Cesário Verde, dirigiu importantes revistas literárias e organizou antologias que divulgaram a literatura portuguesa no estrangeiro, sobretudo a poesia.

Foi Secretário de Estado da Cultura do Governo liderado por Maria de Lourdes Pintasilgo (1979 - O V Governo Constitucional, terminou o seu mandato exactamente há 45 anos - 3 de Janeiro de 1980).

O prémio reconhece o seu contributo ímpar para o fortalecimento do património cultural português.


Um prémio que me parece mais do que merecido, ainda por cima em ano de comemoração dos 500 anos do nascimento de Luís de Camões.


Estilo, assim... tipo... tás a ver?

É como dizem os jovens...

É só estilo!
O Sr. Almirante, um protocandidato alavancado pelo processo de vacinação (ou seria um desconhecido) e por quem gosta de fardas e que haja alguém para pôr ordem nas coisas (ou pôr as coisas na ordem).

E... o que pensa o Sr. Almirante sobre os mais variados assuntos da política?
Sobre Jorge Sampaio, nós sabíamos o que ele pensava. Não era um arrivista.


quarta-feira, 1 de janeiro de 2025

Há sempre um acreditar maior



Há sempre um acreditar 
maior, levando-nos 
na teima a prosseguir

Firmados nas raízes fundadoras
prontas a tecer a ventania
feita de ideais e de porvir
de vontade, de sonho e poesia

Pois existe um voo e um lutar
uma batalha pronta a impedir
a violência, o medo, o proibir

Há sempre um acreditar 
maior, levando-nos 
na teima a resistir

Exigindo o direito a inventar
um outro futuro a construir
apesar do vender e do roubar

Pois existe uma constância
em desagravo, outros modos
de amar, outra maneira
a fazer da vida um canto aberto

E da liberdade uma bandeira

Maria Teresa Horta
30 de Dezembro de 2012


Transição...

«É quase meia noite. Numa inquietação crescente, vou escrevinhando a consultar o relógio a cada momento. Quero assistir à passagem de ano. Faltam vinte minutos, faltam quinze, faltam dez... Um agiota não faria melhor se estivesse ao pulso de um agonizante de quem esperasse herdar uma grande fortuna. E acabo por me rir. Farto de saber que nada vai mudar, roído de desilusões, e teimo na estupidez das mais vezes! Simplesmente, não desisto. A razão argumenta, a experiência ensina, e nos recônditos do meu ser nenhuma lição de objectividade encontra eco. Orgulhosos da nossa ciência, e seguros de que dominamos a natureza, zombamos dos nossos avós e dos rituais com que tentavam exorcizar as forças do mal e propiciar a renovação do tempo. Mas, no fundo, continuamos supersticiosos e crédulos como eles. A abafar ruidosamente a emoção a tiros de petardo ou de champanhe, ouvimos bater as doze badaladas na secreta esperança de que elas sejam a meta remissa do passado e o ponto de partida dum futuro redentor. Assim persiste sob a máscara soberba do civilizado a humildade do primitivo. A humildade que o mantém vivo nas selvas da ignorância, ao lado do morto que vai sendo nas avenidas da sabedoria...»

Miguel Torga, Coimbra, 31 de Dezembro de 1969 (Diário XI)