"Quando todos os cálculos complicados se revelam falsos, quando os próprios filósofos não têm nada mais a dizer-nos, é desculpável que nos voltemos para a chilreada fortuita dos pássaros ou para o longínquo contrapeso dos astros ou para o sorriso das vacas."
Marguerite Yourcenar, Memórias de Adriano (revista e acrescentada por Carlos C., segundo Aníbal C. S.)

sábado, 11 de janeiro de 2025

Al Berto - Mar de Leva

Sines, onde Al Berto viveu grande parte da sua vida

«(...) em ti acostam os barcos e a sombra dos grandes navios do mundo
vive o peixe, agitam-se algas e medusas de mil desejos
em ti descansam os pássaros chegados doutras rotas
secam as redes, põe-se o sol
em ti se abandona a ressaca das ondas e o sal dos meus olhos
as árvores inclinadas, os frutos e as dunas
em ti pernoita a seiva cansada das palavras, o suco das ervas e o açúcar transparente das camarinhas
em ti cresce o precioso silêncio, as ostras doentes e as pérolas dos mares sem rumo
em ti se perdem os ventos, a solidão do mar e este demorado lamento»

Al Berto, Mar de Leva

Al Berto - 77 anos

 

Faltou-lhe o tempo... 

Al Berto nasceu a 11 de Janeiro de 1948 e faleceu antes de cumprir os 50 anos de idade.

 

sexta-feira, 10 de janeiro de 2025

Júlio Pomar e Camilo Castelo Branco

Camilo Castelo Branco desenhado por Júlio Pomar
Estudo para O Romance de Camilo, de Aquilino Ribeiro

Em 1957, Júlio Pomar concebeu um largo conjunto de desenhos para ilustrar a edição de O Romance de Camilo de Aquilino Ribeiro, saído esse ano dos prelos da Fólio.

«Tomando para tema a figura e as personagens de Camilo, Mestre Júlio Pomar penetrou e interpretou, por outro lado, com agudíssimo traço de sensibilidade estética e literária, o âmago da simbiose que os historiadores ou os críticos desde sempre sublinharam entre a vida do autor e a existência das personagens que ele criou pela ficção. Se, na fúria angustiosa e tantas vezes apressada do seu trabalho de criação, Camilo pouca atenção dava ao "estudo" psicológico das personagens que se movimentavam no agitado palco da sua comédia humana, arrastadas como ele no torvelinho das paixões que as sacudiam segundo os cânones da emocionalidade romântica, Mestre Júlio Pomar, seu privilegiado leitor e intérprete, soube com um traço que, por assim dizer, transcende a materialidade do suporte do seu desenho, aventurar-se com certeira acuidade numa hermenêutica psicológica, à primeira vista específica dos críticos literários (...)»

Aníbal Pinto de Castro, primeiro diretor do Centro de Estudos Camilianos, 1 de Junho de 2005 (data da inauguração deste Centro)

Na edição da Fólio, cruzam-se três mestres: Camilo Castelo Branco, Aquilino Ribeiro e Júlio Pomar.  


E este ano comemoram-se os 200 anos do nascimento de Camilo (16 de Março de 1825).
Entre os 500 de Camões e a panteonização de Eça, Camilo parece esquecido.  


Júlio Pomar a caminho do centenário


O Mestre faria hoje 99 anos.

«Viveu em tempos um pintor que quase nunca conseguia acabar de pintar uma ave, fosse ela uma cegonha ou uma garça. Quando se preparava para dar a última pincelada, ela levantava voo.

E o pintor ficava muito tempo ainda a persegui-la com o pincel no céu azul...»

Jorge Sousa Braga, A última pincelada



quinta-feira, 9 de janeiro de 2025

Novo repouso em paz para Eça

«Entretanto, soube-se que Cristiano Ronaldo comprou o avião mais luxuoso do mundo, feito especificamente para si e que inclui uma biblioteca recheada com milhares de clássicos da literatura portuguesa dos séculos XIX e XX, onde Eça também repousará em paz.»

Maria Isabel Roque, https://amusearte.hypotheses.org/11375


Sonhos, ficção e criatividade


«(...) fui percebendo que os sonhos são uma ficção, algo que o nosso cérebro inventa, provavelmente porque está a funcionar de modo diferente daquele em que funciona quando estamos acordados e que podemos considerar imperfeito. O movimento criativo também tem essa imperfeição de base. É necessária alguma distracção, não estarmos num foco demasiado prático, literal. A experiência de sonhar acordados contém em si a ideia da criatividade.» (Paulo Bugalho)



terça-feira, 7 de janeiro de 2025

Eça de Queirós a caminho do Panteão

Parece estar a chegar ao fim a saga em torno dos restos mortais de Eça de Queirós (ou Queiroz? Tenho sempre dúvida).


Em Tormes, para despedida das terras de Baião, voltou a estar em câmara ardente - entre Paris, Lisboa, Santa Cruz / Tormes - quantas câmaras ardentes?

Pelo que li, irá inaugurar a quarta sala tumular localizada num dos ângulos de Santa Engrácia, ao nível do piso térreo.

Quem serão os seus futuros companheiros? Alguém com quem possa conversar nas noites que deverão ser frias? 

Gostava de saber o que escreveria Eça, que, na qualidade de morto, tal como em vida, já muito viajou.

Quem é que irão "recuperar" a seguir ou de quem é que se lembrarão? O espaço é limitado...


sábado, 4 de janeiro de 2025

Parabéns, John McLaughlin!

Lotus Feet

John McLaughlin faz hoje 83 anos.

Neste vídeo, gravado em 2013, o guitarrista toca com o violinista Jean-Luc Ponty e o percussionista Zakir Hussain, falecido no mês passado.


Parabéns, Beth Gibbons!


Beth Gibbons faz hoje 60 anos.


sexta-feira, 3 de janeiro de 2025

Helder Macedo vence Prémio Vasco Graça Moura

O Prémio Vasco Graça Moura - Cidadania Cultural foi este ano atribuído a Helder Macedo, figura incontornável da literatura e academia portuguesa.

Poeta, romancista, ensaísta e professor universitário com brilhante carreira académica no King's College (Londres, cidade em que se exilara em 1960) até à sua aposentação, Helder Macedo, actualmente já com 89 anos, é celebrado pela sua vasta obra literária e pelo impacto significativo na promoção da cultura e da cidadania cultural.

Um dos grandes especialistas em Camões (foi titular da cátedra Camões no King's College), Bernardim Ribeiro e Cesário Verde, dirigiu importantes revistas literárias e organizou antologias que divulgaram a literatura portuguesa no estrangeiro, sobretudo a poesia.

Foi Secretário de Estado da Cultura do Governo liderado por Maria de Lourdes Pintasilgo (1979 - O V Governo Constitucional, terminou o seu mandato exactamente há 45 anos - 3 de Janeiro de 1980).

O prémio reconhece o seu contributo ímpar para o fortalecimento do património cultural português.


Um prémio que me parece mais do que merecido, ainda por cima em ano de comemoração dos 500 anos do nascimento de Luís de Camões.


Estilo, assim... tipo... tás a ver?

É como dizem os jovens...

É só estilo!
O Sr. Almirante, um protocandidato alavancado pelo processo de vacinação (ou seria um desconhecido) e por quem gosta de fardas e que haja alguém para pôr ordem nas coisas (ou pôr as coisas na ordem).

E... o que pensa o Sr. Almirante sobre os mais variados assuntos da política?
Sobre Jorge Sampaio, nós sabíamos o que ele pensava. Não era um arrivista.


quarta-feira, 1 de janeiro de 2025

Há sempre um acreditar maior



Há sempre um acreditar 
maior, levando-nos 
na teima a prosseguir

Firmados nas raízes fundadoras
prontas a tecer a ventania
feita de ideais e de porvir
de vontade, de sonho e poesia

Pois existe um voo e um lutar
uma batalha pronta a impedir
a violência, o medo, o proibir

Há sempre um acreditar 
maior, levando-nos 
na teima a resistir

Exigindo o direito a inventar
um outro futuro a construir
apesar do vender e do roubar

Pois existe uma constância
em desagravo, outros modos
de amar, outra maneira
a fazer da vida um canto aberto

E da liberdade uma bandeira

Maria Teresa Horta
30 de Dezembro de 2012


Transição...

«É quase meia noite. Numa inquietação crescente, vou escrevinhando a consultar o relógio a cada momento. Quero assistir à passagem de ano. Faltam vinte minutos, faltam quinze, faltam dez... Um agiota não faria melhor se estivesse ao pulso de um agonizante de quem esperasse herdar uma grande fortuna. E acabo por me rir. Farto de saber que nada vai mudar, roído de desilusões, e teimo na estupidez das mais vezes! Simplesmente, não desisto. A razão argumenta, a experiência ensina, e nos recônditos do meu ser nenhuma lição de objectividade encontra eco. Orgulhosos da nossa ciência, e seguros de que dominamos a natureza, zombamos dos nossos avós e dos rituais com que tentavam exorcizar as forças do mal e propiciar a renovação do tempo. Mas, no fundo, continuamos supersticiosos e crédulos como eles. A abafar ruidosamente a emoção a tiros de petardo ou de champanhe, ouvimos bater as doze badaladas na secreta esperança de que elas sejam a meta remissa do passado e o ponto de partida dum futuro redentor. Assim persiste sob a máscara soberba do civilizado a humildade do primitivo. A humildade que o mantém vivo nas selvas da ignorância, ao lado do morto que vai sendo nas avenidas da sabedoria...»

Miguel Torga, Coimbra, 31 de Dezembro de 1969 (Diário XI)



segunda-feira, 30 de dezembro de 2024

Adília Lopes (1960 - quase 2025)

Morreu a poetisa Adília Lopes.

«A minha poesia é uma epopeia da vida menor. Não é a descoberta do caminho marítimo para a Índia. É o caminho do corredor de minha casa entre a sala onde escrevo e leio e a cozinha. É doméstica. É feminina.» (de uma entrevista)

«Nunca consegui escrever nada com projetos, planos, programas, esquemas, prazos. Grão a grão, verso a verso, enche a galinha ao papo. Pôr o carro à frente dos bois. Assim é que funciona para mim.»


domingo, 29 de dezembro de 2024

Un son para Portinari

Pela produção vídeo (sobretudo):


Pela força da interpretação:



O pintor brasileiro Cândido Portinari nasceu a 29 de Dezembro de 1903.


segunda-feira, 23 de dezembro de 2024

Jorge Sousa Braga, o Exercício de mais um aniversário

Não sei quem me ensinou a voar
não sei quando comecei a voar

mas lembro-me nas primeiras tentativas
de me estatelar no chão

Aprendi a voar sem asas
aprendi a caminhar sobre brasas

aprendi a caminhar sem ter chão

Jorge Sousa Braga

As mesmas iniciais de JSB (Johann Sebastian Bach)


sexta-feira, 20 de dezembro de 2024

O Poema Pouco Original do Medo

Montagem copiada da conta de fb de Viriato Teles


O medo vai ter tudo
pernas
ambulâncias
e o luxo blindado
de alguns automóveis

Vai ter olhos onde ninguém os veja
mãozinhas cautelosas
enredos quase inocentes
ouvidos não só nas paredes
mas também no chão
no tecto
no murmúrio dos esgotos
e talvez até (cautela!)
ouvidos nos teus ouvidos

O medo vai ter tudo
fantasmas na ópera
sessões contínuas de espiritismo
milagres
cortejos
frases corajosas
meninas exemplares
seguras casas de penhor
maliciosas casas de passe
conferências várias
congressos muitos
óptimos empregos
poemas originais
e poemas como este
projectos altamente porcos
heróis
(o medo vai ter heróis!)
costureiras reais e irreais
operários
     (assim assim)
escriturários
     (muitos)
intelectuais
     (o que se sabe)
a tua voz talvez
talvez a minha
com certeza a deles

Vai ter capitais
países
suspeitas como toda a gente
muitíssimos amigos
beijos
namorados esverdeados
amantes silenciosos
ardentes
e angustiados

Ah o medo vai ter tudo
tudo

(Penso no que o medo vai ter
e tenho medo
que é justamente
o que o medo quer)

                *

O medo vai ter tudo
quase tudo
e cada um por seu caminho
havemos todos de chegar
quase todos
a ratos

Sim
a ratos

Alexandre O'Neill

E se os altos dignitários não percebem a indignidade da acção de reacção à percepção... façam-lhes um desenho, expliquem-lhes com se fossem muito burros! 


Rádio Macau: 40 anos


"Rádio Macau: 40 Anos", um especial em dois episódios, para ouvir já em http://antena1.rtp.pt/.../a-estreia-dos-radio-macau 
O primeiro episódio estreia-se na emissão da Antena 1 este Domingo (22 Dez), depois do noticiário das 15h.

Bom dia, Lisboa

15 anos antes da passagem da administração do território de Macau para a China.

Os Rádio Macau eram de outro território (começaram na linha de Sintra).


quinta-feira, 19 de dezembro de 2024

Vitorino Nemésio - 123 anos do nascimento

Também Vitorino Nemésio nasceu a 19 de Dezembro, em Santa Cruz (Praia da Vitória), no primeiro ano do século XX.

«Pois eu sou ao mesmo tempo e acima de tudo português açoriano europeu, americano brasileiro, e por tudo isto românico hispânico e ocidental, e gostava de ser homem de todo o mundo.»



O'Neill, Alexandre O'Neill


Auto-retrato

O’Neill (Alexandre), moreno português,
cabelo asa de corvo; da angústia da cara,
nariguete que sobrepuja de través
a ferida desdenhosa e não cicatrizada.
Se a visagem de tal sujeito é o que vês
(omita-se o olho triste e a testa iluminada)
o retrato moral também tem os seus quês
(aqui, uma pequena frase censurada…)
No amor? No amor crê (ou não fosse ele O’Neill!)
e tem a veleidade de o saber fazer
(pois amor não há feito) das maneiras mil
que são a semovente estátua do prazer.
Mas sofre de ternura, bebe de mais e ri-se
do que neste soneto sobre si mesmo disse…

100 anos do nascimento de Alexandre O'Neill


Alexandre O'Neill - Foto de Fernando Lemos (1949)

"Para ti o tempo já não urge."


quarta-feira, 11 de dezembro de 2024

Aconselhado a todos os que sabem ler

 

Declínio das competências dos adultos portugueses começa logo aos 25 anos

(para quem puder ler no Público)


Isabel Silvestre, A gente não lê


É simples: é o básico!

 

Rui Veloso, A gente não lê

Não escrevo mais... para não atrapalhar a compreensão. 


Naquele tempo...

Naquele tempo, viver era a melhor coisa do mundo.
Quando nascia o sol todas as pessoas viam
e os homens eram crianças para além dos montes.
Era uma planície, grande como convém a todas as planícies
E plana porque tudo estava certo.
Naquele tempo tínhamos sido criados e éramos iguais às ervas e às flores.

Tu,
tão perfeita que era impossível não seres,
tão erguida como um riso de andorinha,
tu estavas ao meu lado, naturalmente fresca,
e não havia motivos nem razões porque sabíamos tudo.
A nossa teologia era o beijo da criança mais próxima
e ao deitarmo-nos na terra como folhas da mesma planta,
gratos, reduzidos, conscientes.
Olhando para cima, o céu abria-se e todos os Anjos vinham sentar-se no rebordo

e riam como nós pequenas gargalhadas.
Eu cantava canções mais belas do que não tendo palavras
e ouvias-me em silêncio e de olhos abertos exactamente como a todos os sons.

Pedro Tamen, Poema para  todos os Dias


segunda-feira, 9 de dezembro de 2024

Primaveras há muitas, seu palerma!...


E não me lembro de nenhuma que tenha florido... desde a de Praga (68) e a Marcelista às árabes (2010-12 - Tunísia, Egipto, Líbia, Iémen, Bahrein, Síria - já em Março de 2011, com a tentativa de deposição de Bashar Al-Assad...). 

Estaremos cá para ver o tipo de festa...


domingo, 8 de dezembro de 2024

Empolamentos

Na análise futebolística pululam os resultados históricos, as reviravoltas épicas e os lances arrepiantes.

É melhor que os jornalistas desportivos se contenham nos superlativos. Exageram nas hipérboles e repetem-nas à exaustão. Pelo menos... arranjem outras!

Já cansa!


sexta-feira, 6 de dezembro de 2024

Coerentemente ressabiado

Significativa a ausência de Cavaco Silva na Assembleia da República, na sessão solene evocativa do 100.º aniversário de Mário Soares.


Mário Soares como o centro político


Foi interessante ouvir os discursos dos representantes dos partidos na sessão solene comemorativa do 100.º aniversário do nascimento de Mário Soares, na Assembleia da República.

Funcionaram com uma clareza cristalina como identificadores da posição dos partidos no espectro político e da sua leitura histórica do Portugal contemporâneo, sobretudo o pós-25 de Abril.

E sobretudo o pós, porque o Chega e o CDS não focaram o papel de Soares na luta contra o Estado Novo, enfatizando, antes, o seu papel negativo no processo de descolonização (em que se centrou quase todo o discurso de André Ventura, em tom acusador para com um dos "donos disto tudo", com palmas estridentes do seu grupo). Neste sector, Soares só se salvou pela sua acção no Verão Quente e no 25 de Novembro e pelos primeiros passos em relação à União Europeia. O CDS nem se lembrou (ironia! Logo eles que nem a Constituição aprovaram...) que tinha participado num Governo de coligação com o PS, embora destacasse o mérito de Soares por nunca ter construído maiorias à esquerda. 

Personagem criadora de luzes e de sombras, reconhecidamente um democrata e "no lado certo nos momentos fundamentais", segundo a IL, que recordou a sua duvidosa gestão de um esquecido território de Macau. É preciso ter memória!...

Do PSD, o reconhecimento do valor do adversário - "inabalável construtor da democracia, que até ao fim dos seus dias serviu Portugal", embora... se tenha enganado muitas vezes. Houve um cheirinho a cravos na afirmação de que "recordar Mário Soares é celebrar Abril".

O PAN realçou o progressista e humanista com preocupações ambientais. Destaque para a similitude das bochechas de Mário Soares e de... Inês Sousa Real

Ao centro desta paleta de posições, a jogar em casa, o PS valorizou toda a acção de Soares, cuja vida política vale como um todo. "Para a avaliar, não podemos escolher o período que mais nos convém ou mais nos agrada, de acordo com a conjuntura do momento ou a posição que queremos defender".

Caminhando para a esquerda, começa a sobressair o Soares anti-fascista, podendo pesar alguns contras.

O Livre, mais positivo, valorizou o europeísmo do antigo Presidente, adivinhando o que seria a sua atitude inclusiva perante a imigração. Refrescante a valorização do direito ao descanso - não vivemos só para trabalhar -, lembrando o gosto de Soares pelas sestas.

O BE evocou algumas das suas contradições políticas, mas elogiou a posição de princípio relativamente à questão palestiniana e a defesa dos dois estados.

O PCP sobrelevou a ação política de Soares na luta contra o fascismo, reconhecendo as divergências "no caminho a seguir da revolução". Ressalvou a "relação de respeito mútuo" e não deixou de evocar a posição de apoio do PCP na 2.ª volta das presidenciais de 1986, a qual permitiu a eleição de Soares.


Falando de Mário Soares, os partidos falaram muito de si, de como se posicionam face à História e do momento em que se encontram.

Como disse José Soeiro, do BE, Soares "nunca pediu desculpa por ser político, e por viver intensamente a política". "Com Soares e contra Soares, é sempre uma forma de partir de Soares. E é porventura o modo elevado de reconhecimento que merece um político como Soares: cem anos depois de ter nascido, continuarmos a discutir com ele."



quinta-feira, 5 de dezembro de 2024

Obra de Adriano Correia de Oliveira classificada como de interesse nacional

«A voz do Adriano era uma voz alegre e triste. Solidária e solitária, havia nela ternura e mágoa, esperança e desesperança, amparo e desamparo, festa e luta. E também saudade e fraternidade.»

«Importa assinalar a importância que tiveram as Trovas de Adriano e as Baladas do Zeca como estímulos e factores de mobilização da luta estudantil. Importa ainda sublinhar que essa junção da poesia e da música constituiu na altura o verdadeiro vanguardismo estético português.»

Manuel Alegre

Na sequência da petição promovida pelo Centro Artístico, Cultural e Desportivo Adriano Correia de Oliveira (de Avintes), o PS e o PCP apresentaram dois projectos de resolução para que a obra de Adriano Correia de Oliveira fosse classificada como de interesse nacional pela Assembleia da República - uma forma de preservar e divulgar o trabalho de umas das principais figuras da canção portuguesa do século XX. 

A aprovação aconteceu hoje.  


segunda-feira, 2 de dezembro de 2024

O talento português para herói da escravatura


... e pelas fardas!

Parafraseando Mário Cláudio, «Dou-lhe a liberdade de opção, o que nele determina essa resistência do português-tipo à tolerância, vista sempre como uma espécie de obstáculo ao atávico talento para herói da escravatura.» (Diário Incontínuo)

Daí a admiração salazarenta por Salazar...

Será por isso que, em Abril de 74, nas palavras de António Campos em entrevista ao Público (ontem), Mário Soares "não acreditava na cultura democrática do povo português"?

Afinal, Salazar teria razão na sua ideia de que “os portugueses não estão preparados para uma democracia”?
Continuamos a não estar? 
Será cultural?


domingo, 1 de dezembro de 2024

Pedro Tamen - O Dia

Fresco era o dia, plantado na chuva,
jovens os relógios tocando Mozart... 
Os carros corriam, os passos passavam
e os velhos sentados dormiam no tempo
regressos perdidos de todas as sombras.
Pássaro poisado na alma da tarde,
era todo o sol natural inverno...
O mar estava perto nos olhos da gente, 
um barco chegava em cada minuto
e o segredo bailava nas mãos da criança.

 (...)

Pedro Tamen

Pedro Tamen faria hoje 90 anos.

Mozart, Sonata n.º 12, Adagio


sábado, 30 de novembro de 2024

Os óculos de Fernando Pessoa (3)

«Mas agora basta, meu caro António Mora, viver a minha vida foi viver mil vidas, estou cansado, a minha vela gastou-se, faça-me um favor, dê-me os meus óculos.

António Mora ajustou a túnica. Prometeu urgia-lhe.

Ó céu divino, exclamou, velozes ventos alados, nascentes dos rios, sorriso inumerável das ondas marinhas, terra, mãe universal, a vós invoco, e ao globo do Sol que tudo vê, vede a que estou sujeito.

Pessoa suspirou. António Mora tirou os óculos de cima da mesa-de-cabeceira e pô-los na cara de Pessoa. Pessoa abriu muito os olhos e as suas mãos pararam sobre o lençol. Eram exactamente vinte horas e trinta.»

António Tabucchi, Os últimos três dias de Fernando Pessoa



Os óculos de Fernando Pessoa (2)


«Penso nos Heterónimos de Fernando Pessoa. A ilustração vulgar, utilizada, tem um valor iconológico na pessoalidade do poeta, fazendo dos símbolos valores pictóricos-literários. Mas é consciente, em mim, esta disparidade formal: é o poeta e não eu-pintor que está em causa.»

António Costa Pinheiro, Caderno de Atelier n.º 3, Dezembro de 1973

«Símbolos? Estou farto de símbolos...
Mas dizem-me que tudo é símbolo.»
Álvaro de Campos


Os óculos de Fernando Pessoa

António Costa Pinheiro, Os óculos de Fernando Pessoa (1980)

Fernando Pessoa morreu na noite do dia 30 de Novembro de 1935.

As suas últimas palavras, dirigidas à enfermeira pouco antes de morrer, terão sido “Dê-me os óculos”.

«... como se deles precisasse para entrar pela noite dentro ou por um súbito desejo de escrever um último e impossível poema.» (Luís Osório)


«Os óculos de Fernando Pessoa são dois monóculos de Álvaro de Campos. O Pessoa está por trás.
Não há nada de especial neste facto, a não ser para os que julgam que uns óculos servem para ver melhor ou a dobrar ou em diferente, e não é o caso. Uns óculos, desde que bem pensados e bem vistos, servem sempre para a pessoa se esconder. E se se puser uma gaivota numa das lentes, então é que ainda melhor: então é que fica só a paisagem de dentro fingindo que é a de fora, não sei se me faço entender.

António Costa Pinheiro, Os óculos-gaivota do poeta Fernando Pessoa, 1976

Ora, o Costa Pinheiro (...) fingiu-os. E para comprometer ainda mais pôs-lhes a tal gaivota que os desmente. Pôs tudo diante deles: caneta e mãos, horizonte largo, o Além. Um celebrante no altar.
Quando o Fernando Pessoa se viu assim passou os dedos pelos olhos frios e pediu delicadamente: 
"Os meus óculos, senhor Pinheiro."»
José Cardoso Pires, O Jornal, 9 de Janeiro de 1981

António Costa Pinheiro, O espaço poético de Fernando Pessoa, 1977


sexta-feira, 29 de novembro de 2024

Relayer - 50.º aniversário do lançamento

O último grande - e quão grande! - álbum dos Yes.

A partir daqui... plano descendente (um problema comum aos grandes grupos de rock progressivo).

Rick Wakeman tinha abandonado o grupo após Tales from Topographic Oceans, mas foi muito bem substituído por Patrick Moraz. 

O lado A do disco é uma peça única, Gates of Delirium, inspirada por Guerra e Paz, de Tolstoi. Tem das passagens musicais mais "duras" dos Yes, mas termina num suave e apaziguador ambiente, que deu origem ao single Soon, ganhando alguma autonomia em relação à suite de que faz parte.

Foi dos discos que, saindo pós-25 de Abril, pôde ser logo ouvido - antes, os discos custavam a chegar cá. A cassette com a sua gravação foi gasta...