sábado, 31 de março de 2018

O silêncio do Sábado Santo

«O Sábado Santo não é apenas um dia imenso: é um dia que nos imensa. Aparentemente representa uma espécie de intervalo entre as palavras finais de Jesus pronunciadas na Sexta-feira Santa, "Tudo está consumado", e a Insurreição da vida que, na manhã da Páscoa, Ele mesmo protagoniza. O Sábado tem assim um silêncio que não se sabe bem se é ainda o da pedra colocada sobre o túmulo, ou se é já aquele misterioso silêncio que prepara "o grande levantamento" que a ressurreição significa. Este "intervalo", esta terra de ninguém, este tempo amassado entre derrotas e esperança, esta provação e júbilo, é o da nossa vida. O silêncio do Sábado Santo é o nosso silêncio que Jesus abraça. O silêncio dos impasses, das travessias, dos sofrimentos, das íntimas transformações. Jesus abraça o silêncio desta sôfrega indefinição que somos entre já e ainda não.»

José Tolentino de Mendonça, O Hipopótamo de Deus




quinta-feira, 29 de março de 2018

Última Ceia

«Quando chegou a altura, Jesus sentou-se à mesa com os apóstolos e disse-lhes: "Desejei ardentemente comer convosco esta Páscoa antes de morrer. Pois afirmo-vos que não voltarei a comê-la até que ela receba o seu significado completo no reino de Deus."» 
(Lucas, 22:14-16)

Ceia ou Instituição da Sagrada Eucaristia
Tríptico de Vasco Fernandes (Grão Vasco), Museu de Grão Vasco (Viseu)

«É complexa a imagem que temos perante nós. São dois milhares de anos em que os cristianismos, especialmente o católico e o ortodoxo, se cimentaram em torno do que esta cena representa, simboliza e preconiza. Seja um momento especial ou seja a instituição de um rito repetido todos os domingos, seja uma refeição de partilha do pão ou um momento de transfiguração em que os "sagrados elementos" são o próprio corpo e sangue de Cristo, a verdade é que no Ocidente não nos conseguimos compreender a nós mesmos sem reconhecer um peso imenso a este episódio e às suas representações.»
Paulo Mendes Pinto, A palavra e a imagem


quarta-feira, 28 de março de 2018

Espólios - o poder não se move pela cultura

Li
e partilho.

ESPÓLIO DE ANTÓNIO JOSÉ SARAIVA
Confesso que me repugna a atitude dos familiares que leiloam o que constituiu para os seus pais a obra de uma vida. Sim, que a obra não consiste apenas no que se escreve, pinta e esculpe mas também em colecções de livros e de objectos que o defunto levou a vida a juntar. Se a mim, defunta, me fizerem o mesmo, juro que hei-de arranjar maneira de me insurgir contra! Isto a propósito do leilão dos livros e dos pertences de José Hermano Saraiva que agora aconteceu. Alguém que lá foi contou-me. Os comerciantes abutres lá estavam, a arrematar os objectos que ele juntou com tanto amor: entre tantos outros, a olaria de Estremoz, agora património da humanidade, foi muito disputada. (Olho para as minhas peças, que há muito reúno, e fico apreensiva…). E todos os preciosos livros, claro. Essa pessoa que foi ao leilão soube, pela leiloeira, que iam fazer o mesmo à biblioteca do irmão, António José Saraiva – e fiquei estarrecida. Os livros de que se servia eram suculentamente anotados, e não dava posteriormente forma escrita a esses textos. Pergunto-me se irá também a leilão o seu espólio, que até agora não foi encaminhado para a Biblioteca Nacional, onde teria o seu útil assento. Por onde andarão tantos escritos inéditos, tantos documentos de que se serviu para a sua monumental História da Cultura e para toda obra de uma vida inteira dedicada ao estudo e à escrita? E a correspondência recebida de tantas pessoas – que guardaram a dele e a deram à estampa (Óscar Lopes, Luísa Dacosta)? É um século da nossa cultura que não foi ainda arrecadada! Perder tudo isso seria um crime de lesa-cultura que urge evitar – diz a leiloeira que o leilão de A. J. Saraiva está previsto até ao Verão! Por mim farei o que puder para o evitar – mas posso tão pouco! Não me movo nas esferas do poder que cuidam da nossa cultura e que se deviam sentir na obrigação de acudir a este perigo iminente. Quem dá uma mãozinha? Partilhar já ajuda.
Teresa Rita Lopes


Senti o mesmo em relação ao espólio de José Hermano Saraiva (apesar de não ser pessoa da minha simpatia) e à sua própria casa, em Palmela.
O poder não se move pela cultura.
(e as televisões estão mais preocupadas com a derrota da seleção e a não expulsão dos diplomatas russos)


terça-feira, 27 de março de 2018

E vão mais duas!...


Viva a lei do arrendamento!
Vivam os patos bravos dos proprietários!
Viva a política cultural da Câmara de Lisboa!
Que tal a proteção das lojas históricas?


Boicotem o Mundial de Futebol



Uma sugestão aos corajosos políticos ocidentais que expulsam diplomatas russos:

Boicotem, antes, o Mundial de Futebol que se disputará na Rússia.
Abdiquem de participar no campeonato!

domingo, 25 de março de 2018

Um poema ou uma árvore podem ainda salvar o mundo

O sobreiro é, desde 2011, a Árvore Nacional de Portugal.

Esta semana, um sobreiro de Águas de Moura venceu o concurso europeu de árvore do ano.
Classificado como  “Árvore de Interesse Público” desde 1988 e e inscrito no Livro de Recordes do Guinness como "o maior sobreiro do mundo", chamam-lhe o Assobiador, devido "ao som originado pelas inúmeras aves que pousam nos seus ramos".

Sobreiro de Águas de Moura - o Assobiador

Na mesma data da sua classificação, também o foi um sobreiro de Canha (Herdade Vale da Balça, concelho do Montijo), com cerca de 400 anos, um tronco de perímetro mais largo, uma maior altura  e um diâmetro médio da copa semelhante.
Será maior, parece, do que o primeiro. Mas isso não interessa para aqui.

Sobreiro de Canha (se a pesquisa na net não me enganou)

Em Póvoa e Meadas (Herdade de Pai Anes), concelho de Castelo de Vide, existia um outro sobreiro monumental, “Árvore de Interesse Público” desde 1993.
Esse seria o maior. E mais antigo, ainda. Morreu em 2013(?), já depois de ter sofrido a perda de algumas pernadas em 2007.
Dizem que, cortado, terá dado cerca de 86 toneladas de madeira.

Sobreiro de Póvoa e Meadas (fotografia antiga)


Mais importante para o futuro dos sobreiros, no entanto, será a notícia de que os industriais da cortiça pretendem fazer "crescer a área do montado de sobro nacional em mais 50 mil hectares (os dados actuais indicam que os sobreiros ocupam actualmente 737 mil hectares)".
Diz a notícia de o Público que "O gráfico das exportações da indústria corticeira na última década é uma monótona curva ascendente."

Aqui, não há nada como ser monótono.
E na cortiça, a indústria não pode estar longe do montado.

Um poema ou uma árvore podem ainda salvar o mundo.
Eugénio de Andrade


sábado, 17 de março de 2018

Amelia

DN

Joni Mitchell é que me falou de Amelia, que desapareceu durante um voo sobre o oceano Pacífico.

«I was thinking of Amelia Earhart and addressing it from one solo pilot to another... sort of reflecting on the cost of being a woman and having something you must do.»




quarta-feira, 14 de março de 2018

Stephen Hawking e uma mensagem para o Fausto

De uma antiga aluna para o seu filho.
Delicioso de encontrar!



Keep talking

No dia da morte de Stephen W. Hawking, o cientista que se terá tornado mais conhecido pela sua longa sobrevivência a uma doença degenerativa, vencendo barreiras, nunca desistindo de fazer investigação, de escrever obras de divulgação e de participar em conferências nas mais prestigiadas universidades do mundo inteiro, passando uma boa parte da sua vida a viajar.

«À excepção de ter tido o azar de contrair a doença e Gehrig ou neuropatia motora, tenho sido afortunado em quase todos os outros aspectos. A ajuda e o apoio da minha mulher Jane e dos meus filhos Robert, Lucy e Timmy, fizeram com que fosse possível levar uma vida razoavelmente normal e ter uma carreira bem sucedida. Também tive a sorte de escolher física teórica, porque tudo é feito mentalmente. Por isso, a minha incapacidade não tem constituído uma verdadeira objecção. Os meus colegas cientistas têm dado, sem excepção, uma boa ajuda.»
Stephen Hawking, Breve História do Tempo 
(1987 - 1.ª ed. portuguesa em 1988)

Há a curiosidade de Stephen Hawking se sentir fortemente identificado com Galileu, "em parte devido à coincidência de ter nascido exactamente trezentos anos depois da sua morte!" (8 de Janeiro de 1942) e de ter ocupado, na Universidade de Cambridge, a cátedra que pertenceu a Newton.


«Speech has allowed the communication of ideas, enabling human beings to work together to build the impossible. Mankind's greatest achievements have come about by talking, and its greatest failures by not talking. It doesn't have to be like this. Our greatest hopes could become reality in the future. With the technology at our disposal, the possibilities are unbounded. All we need to do is make sure we keep talking.»
Stephen Hawking




Stephen Hawking voltaria a estar presente, com palavras do mesmo texto, noutra composição dos Pink Floyd: Talkin' Hawkin', de The Endless River.


sábado, 10 de março de 2018

Os hotéis como património e atração turística

A exemplo de Lisboa, o Porto arrisca-se a atrair, apenas, turistas interessados em ver e visitar hotéis.

Quando algumas pessoas compreenderem que as cidades, para serem atraentes, precisam de ter uma identidade própria e que o património cultural é parte integrante e fundamental dessa identidade... será tarde.



Capitalismo burro!


quarta-feira, 7 de março de 2018

Beef Wellington ou o beef que Wellington não comeu

Não passam os ingleses por terem uma gastronomia refinada...
Dos franceses é proverbial o seu chauvinismo...

Vêm estes dois estereótipos a propósito de uma receita ocidentalmente reconhecida, sobretudo a partir do momento em que o presidente Richard Nixon a passou a incluir nas recepções oficiais da Casa Branca, mas cujo criador ficou na sombra.


Não se conhece o verdadeiro pai do Beef Wellington, nem a sua nacionalidade.
De Wellington, o duque, sabe-se a sua apetência para derrotar as tropas napoleónicas, seja nas Linhas de Torres seja em Waterloo.
Só este destaque militar justificará a atribuição do seu título nobiliárquico ao "lombo", porque, decididamente, Wellington não era um apreciador de comida. Comia para matar a fome. Só o teremos por bom garfo se entendermos que, com ele, tudo marchava.
Todas as indicações encontradas são de um distanciamento em relação à alimentação.

Busto do Duque de Wellington, em Lisboa

Ele gostaria de pratos gordurosos e indigestos. Comia tão rápido que os companheiros de mesa não conseguiam acompanhar o ritmo.
Em Paris, quando convidado pelo cônsul Régis de Cambacéres, questionado sobre o jantar que lhe tinha sido servido, Wellington terá respondido “Estava excelente, mas para lhe ser franco eu não ligo muito ao que como.”

De Wellington se conta que, a conselho de um amigo, contratou os serviços de um reputado cozinheiro. Pouco tempo depois, esse cozinheiro implorava ao seu antigo patrão, Lord Seaford, que o voltasse a contratar, mesmo que por menos dinheiro ou, mesmo... sem salário. 
O duque era um patrão muito amável, mas indiferente aos pratos que lhe eram confeccionados, o mais banal ou o mais elaborado. Tanta insensibilidade gastronómica feria a susceptibilidade do chef!

Parece que só uma receita da cozinha portuguesa - tinha de ser! - lhe mereceu uma menção honrosa.
Nas memórias que escreveu, a duquesa de Wellington exprimiu o seu espanto pelo facto do seu marido lhe ter descrito numa carta a receita de uma sopa que comeu em Lavos, quando aí estabeleceu o seu quartel-general, após o desembarque das forças inglesas em Portugal: canja de galinha!

Mas tudo isto porque, tendo feito uma visita de estudo com os meus alunos ao Centro de Interpretação das Linhas de Torres (CILT) e ao Forte do Alqueidão, em Sobral de Monte Agraço, e tendo inquirido sobre um restaurante que me pudessem aconselhar para uma visita posterior, de carácter familiar, me referiram um que "até" confecciona o Beef Welington.

Centro de Interpretação das Linhas de Torres (Sobral de Monte Agraço)
Achei interessante ir procurar informações sobre este prato, pensando que o famoso general estaria na sua verdadeira origem - um general gourmet, comensal exigente, refinado...
E eis que o tão sofisticado lombo (porque de uma peça de lombo de novilho se trata) não tem uma ligação material ao brioso militar, que nunca lhe terá metido o dente!



E resta a incógnita da sua origem, não assumida seguramente por ninguém. 
Há quem fale numa origem neozelandesa - uma criação para uma recepção cívica na capital da Nova Zelândia, ela própria baptizada com o nome do herói britânico.

Há quem diga que o Beef Wellington é uma receita típica inglesa.

Há que argumente que o Beef virá do Filet de boeuf en croûte, receita francesa em que é usada a Duxelles - preparação feita com cogumelos, chalotas, manteiga e vários temperos, receita inventada pelo chef François Pierre de La Varenne, cozinheiro do marquês d'Uxelles, cujo nome foi dado à receita.
Um cozinheiro inglês, "imbuído de sentimento patriótico", teria trocado o nome do prato na época das guerras napoleónicas.
Os franceses terão dificuldade em engolir o nome atribuído e duvidam da capacidade culinária dos ingleses. Recordo-me de estar em Paris, em 2005, quando a cidade de Londres foi escolhida, em detrimento da capital de França, para a organização dos Jogos Olímpicos de 2012. Nessa ocasião, um despeitado presidente francês, Chirac, questionava como é que um país em que não se sabia cozinhar podia organizar os Jogos Olímpicos!

Em 1925, um jornal australiano trazia um anúncio do Café Français, em Melbourne, a publicitar um menu especial, em que um dos pratos era um Filet d’Bouef a la Wellington - nome tão francês (mas com um Wellington atravessado...).

Talvez a origem seja irlandesa - o duque de Wellington, (Arthur Wellesley, de seu verdadeiro nome) era natural de Dublin. E na Irlanda o nosso beef chama-se Steig Wellington (o steak dos ingleses).
Ou terá sido um cozinheiro irlandês que rebaptizou a receita francesa?

Talvez um dia destes vá a Sobral de Monte Agraço comer o Beef, Filet, Steig, Steak ou Lombo Wellington.
Abençoado património!


segunda-feira, 5 de março de 2018

Mistério!

Porquê este conjunto de 4 quadrados de cor que perseguem o blog?

Alguém me sabe dizer?

Inversão do esquema para deixar os quadradinhos sossegados...


domingo, 4 de março de 2018

Cultura


«A minha imaginação, depois de uma biblioteca lida, não é maior do que a da minha avó que nunca leu um livro. São formas diferentes. Para mim não faz muito sentido a divisão entre alta e baixa cultura. Ouvir Bach é a mesma coisa que ouvir um regato; ouvir as ondas do mar é tão bonito como ouvir Mahler. Ouvir um texto da Bíblia, como ouvi o meu pai ler - e era a única coisa que ele lia -, é tão belo como ler Dante ou Herberto Hélder.»
José Tolentino Mendonça, entrevista à Sábado (17 de Dezembro de 2015)