Fernão Lopes, a quem pertence a citação do título, referia-se aos moradores da cidade do Porto.
«Alguém sabe explicar muito bem como é que de São João Batista, um anacoreta que viveu longos anos retirado nas agruras do deserto, onde jejuava frequentemente ou se alimentava somente de gafanhotos e mel silvestre, e a quem Herodes, a pedido de Salomé, mandou cortar a cabeça, como é que, perguntava eu, de um personagem tão austero se fez um santo galhofeiro, pimpão, amorudo e, até, brejeiro?
Do que não há dúvida é que o povo o colocou no mais alto lugar do altar do seu coração e é à sua custa, ainda, que o mesmo povo lhe faz danças, acende fogueiras, enche e lança balões, se desalinha em cantigas e perde uma noite inteira desfraldando ao vento as bandeiras da folia, que, neste caso, são o alho-porro e o manjerico da tradição.
Sabemos todos que os festejos ao São João, em 24 de Junho, andam profundamente ligados ao solstício de verão (...) Uma celebração muito antiga que tinha como motivos principais o sol, o fogo, a água e as colheitas.
E sabemos também como o cristianismo soube (...) transformar as antigas festas pagãs em cerimónias cristãs. É assim que São João Batista aparece como padroeiro das antigas celebrações em honra do sol, do fogo e das colheitas.»
E na cidade do Porto, na grande festa que se realiza "no meio de grande animação e entusiasmo desabrido" (Fernão Lopes), o sítio das Fontainhas são «assim uma espécie de Meca, para onde, todos os anos, em Junho, na noite de 23 para 24, convergem os devotos da paródia a prestar culto ao mais rapioqueiro de quantos santos há na corte celestial.»
As peregrinações dos foliões começaram em 1869, quando «uma comissão de moradores do sítio tomaram a iniciativa de construir, junto ao chafariz, uma enorme cascata e à volta dela montaram tendas em que vendiam cabrito assado no espeto, com arroz de forno, arroz-doce, aletria e ainda vinho, café quente, pão com manteiga e aguardente.»
Germano Silva, Porto - Viagem ao passado e Passeios pelo Porto de outros tempos