Eugénio de Andrade, Os afluentes do silêncio
sábado, 28 de outubro de 2017
Os gigantes de 1867 por Eugénio de Andrade (1) - Raul Brandão
«Era um poeta - às palavras estava condenado, mas só elas o poderiam salvar. Só nas palavras a treva do seu ser abria para a luz. E não era a luz toda a ternura do mundo? Por isso se lhes abandonava, com uma confiança que nunca dera à vida. Quando, oh quando poderia regressar ao azul limpo dos seus olhos, sem tropeçar na angústia mais viva? Que voz o poderia reconduzir aos dias em que a consciência de existir não era ainda consciência de ser uma só e paciente espera da morte? Contra a morte só tinha palavras - as que lhe subiam à boca. Na "noite velha" cantava. Cantava para sua mãe que, debaixo da terra, talvez o ouvisse ainda; cantava para o Nel, que depois de tantos anos ainda o via subir às figueiras, aos figos lampos, para lhe dar; cantava para aquela velhinha que lenta, lentamente, subia a ladeira apoiada numa bengala. Cantava para a transparência do mundo.»
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