quarta-feira, 15 de agosto de 2012

A Mocidade Portuguesa, os Jogos Olímpicos e o disparate

Vicente Moura, Presidente do Comité Olímpico Português, propôs ontem, na RTP, "a reactivação da Mocidade Portuguesa, mas sem conotações políticas" como forma de contribuir para o desenvolvimento de base do desporto em Portugal e de levar o país a atingir uma participação olímpica de sucesso.

A Mocidade Portuguesa, instrumento do Estado Novo de catequização juvenil nos princípios ideológicos do regime, foi instituída em 1936 e, dirigindo-se à juventude, destinava-se a "estimular o desenvolvimento integral da sua capacidade física, a formação do carácter e a devoção à Pátria, no sentimento da ordem, no gosto da disciplina e no culto do dever militar."

O contributo da Mocidade Portuguesa para a prática desportiva, nomeadamente para a criação de uma elite desportiva a nível da representação do país, é residual.
Se Vicente Moura retirar as conotações políticas à Mocidade Portuguesa tem... um vazio. A sua essência era política. Manipuladoramente política.
Enquanto estudante antes do 25 de Abril, fui obrigado a comprar a farda da MP e a desfilar nos Restauradores no dia 1 de Dezembro de 1969. E pronto! Desporto, na MP, nunca tive oportunidade de o praticar.

Se a MP tivesse sido importante e desempenhado um papel de vulto na formação desportiva a participação de Portugal nas olimpíadas que decorreram durante o período do Estado Novo teria reflectido essa importância. Mas Portugal, nas 7 olimpíadas disputadas entre a data de fundação da Mocidade Portuguesa e o 25 de Abril de 1974, teve uma participação média de 38 atletas, nunca se conseguiu fazer representar numa modalidade colectiva (excepção surpreendente de uma equipa de pólo aquático nos JO de 1952, em Helsínquia) e ganhou um total de... 4 medalhas nas 7 olimpíadas: 1948 - prata na vela e bronze no hipismo; 1952 - bronze na vela; 1960 - prata na vela. 1956, 1964, 1968 e 1972 = ZERO!
Em 1956, por exemplo - já a MP existia há 20 anos - Portugal só se fez representar em vela e hipismo.
É este o sucesso do contributo da Mocidade Portuguesa? Que massificação e/ou que elite desportiva?

Para além das nossas limitações financeiras (ou a elas associada), problemática é a nossa cultura (e estrutura) desportiva.
Temos uma cultura desportiva dependente do futebol e da clubite, temos uma comunicação social que, no capítulo do desporto, está dependente e contribui para a dependência geral em relação ao futebol e à clubite.

Uma minoria das minorias conhece, mesmo que só pelo nome, os atletas portugueses que foram aos Jogos Olímpicos.
Durante 4 anos, ninguém ouve falar, na comunicação social, nas modalidades desportivas que estiveram representadas em Londres.
Mas quando chegam os Jogos sofre-se de medalhite. Todos estão à espera de medalhas. As medalhas são o barómetro, único, do sucesso desportivo.
Quando não há medalhas... "Foi um fracasso!" E os responsáveis, pressionados pela comunicação social que estranha essa falta de sucesso nas modalidades que não ajuda a divulgar por parte de atletas que nem conhece, dizem... disparates.

No dia a dia...
... os pequenos clubes, onde vinga mais a vontade e a carolice do que as condições materiais, ainda vão contribuindo para que muitos jovens acedam à prática desportiva, nomeadamente nas modalidades menos divulgadas - a tal prática desportiva de que a comunicação social pouco ou nada fala, porque não tem o Cristiano Ronaldo nem o José Mourinho.
... os grandes clubes, quando têm essas modalidades, "pescam" frequentemente os valores que são formados nos pequenos e, quando em situação de aperto financeiro, fecham essas secções - são o elo mais fraco.
... o Governo, através do Ministério da Educação, desvaloriza a prática da disciplina de Educação Física (conforme se vê das últimas medidas relativas à reforma curricular e à avaliação na disciplina) e vai retirando condições ao desenvolvimento do Desporto Escolar. Mas disto a comunicação social também não fala (nem sabe falar).
E cá vamos, cantando e rindo. Levados, levados, sim!

Não vale a pena reinventar o que não pode ser (re)criado num regime democrático: uma estrutura como a Mocidade Portuguesa. Valia a pena pensar a sério era na política educativa, nomeadamente a parte relativa à formação cívica, à saúde e à prática da educação física e do desporto (duas coisas próximas mas diferentes). Parece-me.

Sem comentários:

Enviar um comentário