Jorge de Sena, Entrevista a O Tempo e o Modo, n.º 59, Abril de 1968
domingo, 27 de março de 2011
Portugueses - Viver no Estrangeiro
Eu costumo dizer, por piada, que Portugal não se salva enquanto todos os portugueses não forem obrigados, por lei, a fazer o estágio de alguns anos no estrangeiro, mas proibidos de encontrarem-se uns com os outros. Esta proibição é da maior importância, para impedi-los de assarem colectivamente sardinhas, cozerem bacalhau com fervor nacionalista, ou trocarem sofregamente as últimas novidades do Chiado. Viverem no estrangeiro, não como emigrantes em "colónias", agarrados uns aos outros, mas no meio do estrangeiro, aprendendo a língua e integrando-se nos costumes o suficiente para saberem que ninguém sabe da existência deles o que, com ser uma injustiça, é uma tremenda verdade. De resto, a mais triste e a maior lição é descobrir-se que, para defender Portugal, é preciso saber dele mais do que os portugueses sabem, e que quase todos os portugueses, no estrangeiro, passam pela vergonha cultural de os lusófilos saberem de Portugal, e com outra seriedade, muito mais do que eles.
sábado, 26 de março de 2011
Avaliação do desempenho docente
Por agora está suspenso este estúpido modelo de avaliação.
A ver vamos onde isto vai parar.
Duvido que seja assim tão simples!
Como é que um discurso agora tão claro do PSD não o era há uns meses, para que a suspensão acontecesse mais cedo e evitase o desperdício de tempo entretanto gasto?
Não há nada como umas eleições para agilizar o cérebro!...
A ver vamos onde isto vai parar.
Duvido que seja assim tão simples!
Como é que um discurso agora tão claro do PSD não o era há uns meses, para que a suspensão acontecesse mais cedo e evitase o desperdício de tempo entretanto gasto?
Não há nada como umas eleições para agilizar o cérebro!...
Crise política (?) - 2
PS/PSD - Começa o nojo dos discursos eleitorais destes políticos de aviário.
A crise são eles!
"O problema não é salvar Portugal, mas salvarmo-nos de Portugal"
A crise são eles!
"O problema não é salvar Portugal, mas salvarmo-nos de Portugal"
Jorge de Sena
Crise política (?) - 1
O Presidente da República é o cromo voluntário que pouco pode fazer e nada faz.
Nem uma palavra que dê um sentido ao que passa, ao que se quer para o país. Que nos faça sentir que fazemos parte de um colectivo e que esse colectivo também (sendo parte do problema) deve ser parte da solução.
Porque tudo tem a ver com todos!
Que austera pobreza de espírito. Falta de cultura.
Essa é a verdadeira crise.
Nem uma palavra que dê um sentido ao que passa, ao que se quer para o país. Que nos faça sentir que fazemos parte de um colectivo e que esse colectivo também (sendo parte do problema) deve ser parte da solução.
Porque tudo tem a ver com todos!
Que austera pobreza de espírito. Falta de cultura.
Essa é a verdadeira crise.
quinta-feira, 24 de março de 2011
A Formiga
Como vinha escrito: imperdível!
A formiga era produtiva e feliz.
O gerente besouro estranhou a formiga trabalhar sem supervisão.
Se ela era produtiva sem supervisão, seria ainda mais se fosse supervisionada.
E colocou uma barata, que preparava belíssimos relatórios e tinha muita experiência, como supervisora.
A primeira preocupação da barata foi a de padronizar o horário de entrada e saída da formiga.
Pouco depois, a barata precisou de uma secretária para ajudar a preparar os relatórios e contratou também uma aranha para organizar os arquivos e controlar as ligações telefónicas.
O besouro ficou encantado com os relatórios da barata e pediu também gráficos com indicadores e análise das tendências que eram mostradas em reuniões.
A barata, então, contratou uma mosca, e comprou um computador com impressora colorida. Logo, a formiga produtiva e feliz, começou a lamentar-se de toda aquela movimentação de papéis e reuniões!
O besouro concluiu que era o momento de criar a função de gestor para a área onde a formiga produtiva e feliz, trabalhava.
O cargo foi dado a uma cigarra, que mandou colocar uma carpete no seu escritório e comprar uma cadeira especial..
A nova gestora cigarra logo precisou de um computador e de uma assistente, a pulga (sua assistente na empresa anterior) para ajudá-la a preparar um plano estratégico de melhorias e o controlo do orçamento para a área onde trabalhava a formiga, que já não cantarolava e cada vez ia ficando mais aborrecida.
A cigarra, então, convenceu o gerente besouro, que era preciso fazer um estudo do clima.
Mas, o besouro, ao rever as contas, deu-se conta de que a unidade na qual a formiga trabalhava já não rendia como antes e contratou a coruja, uma prestigiada consultora, muito famosa, para que fizesse um diagnóstico da situação. A coruja permaneceu três meses nos escritórios e emitiu um volumoso relatório, com vários volumes, que concluía: Há muita gente nesta empresa!!
E adivinhe quem o besouro mandou demitir?
A formiga, claro, porque andava muito desmotivada e aborrecida.
Já viu este filme antes?
Bom trabalho a todas as formigas!!!
quarta-feira, 23 de março de 2011
O país relativo
(...)
A Santa Paciência, país, a tua padroeira,
já perde a paciência à nossa cabeceira.
(...)
A Santa Paciência, país, a tua padroeira,
já perde a paciência à nossa cabeceira.
(...)
Alexandre O'Neill
À rasca, à rasca... estamos todos!
Não há geração à rasca - à rasca estamos todos e/ou mais à rasca vamos ficar todos!
A excepção serão os gestores das grandes empresas públicas (os boys bem situados), os daquelas chamadas parcerias público-privadas em que o Estado contribui para o bem-estar dos privados ou aqueles pensionistas que têm as golden reformas.
A excepção serão os gestores das grandes empresas públicas (os boys bem situados), os daquelas chamadas parcerias público-privadas em que o Estado contribui para o bem-estar dos privados ou aqueles pensionistas que têm as golden reformas.
Elizabeth Taylor
segunda-feira, 21 de março de 2011
Promessa
És tu a Primavera que eu esperava,
A vida multiplicada e brilhante,
Em que é pleno e perfeito cada instante.
Sophia de Mello Breyner Andresen, Dia do Mar
Du PREC aux PECs
Em Portugal, do PREC aos PECs, 36 anos de História nos contemplam.
Como diz a minha amiga Guida, um cego guiando um grupo de cegos.
Ámen
Como diz a minha amiga Guida, um cego guiando um grupo de cegos.
Ámen
A greve dos controladores de voo
Todos aqueles que nos primeiros dias de Março perscrutavam atentamente o céu ficaram desapontados. Este ano as andorinhas chegarão atrasadas, devido a uma greve dos controladores de voo.
Jorge Sousa Braga
domingo, 20 de março de 2011
Dizem que é a maior Lua dos últimos anos
Eu não a medi.
Gostava de ter um telescópio!...
E uma objectiva que fizesse a Lua ainda maior!
Lua - 19 de Março de 2011
Lua - 20 de Março de 2011
E uma objectiva que fizesse a Lua ainda maior!
terça-feira, 8 de março de 2011
Khadafi que se cuide
Portugal assumiu a presidência do comité de sanções para a Líbia do Conselho de Segurança das Nações Unidas.
O problema é que Khadafi não parece estar disposto a largar o poder. Como dizia um resistente: “Khadafi é demasiado forte e demasiado louco, e tem muito dinheiro.”
A confirmar-se a capacidade de resistência do coronel, daqui a uns tempinhos ainda vamos ter os mesmos governos que agora condenam o regime líbio a negociarem acordos (petróleo, gás, dívidas...).
É evidente que se pode justificar essa mudança da mesma forma que o 1.º ministro justificou o pagamento das SCUT na Guarda: “A gente até nem queria, mas fomos obrigados.”
O problema é que Khadafi não parece estar disposto a largar o poder. Como dizia um resistente: “Khadafi é demasiado forte e demasiado louco, e tem muito dinheiro.”
A confirmar-se a capacidade de resistência do coronel, daqui a uns tempinhos ainda vamos ter os mesmos governos que agora condenam o regime líbio a negociarem acordos (petróleo, gás, dívidas...).
É evidente que se pode justificar essa mudança da mesma forma que o 1.º ministro justificou o pagamento das SCUT na Guarda: “A gente até nem queria, mas fomos obrigados.”
Educação - Há mais pesadelos
Afinal havia outro!
O Coordenador da Direcção Regional de Educação do Centro (DREC), professor Ernesto Paiva, foi demitido depois de criticar modelo de avaliação dos docentes.
O pesadelo de Isabel Alçada: os 43 milhões!
Isabel Alçada disse, ontem, que não sabe onde ir buscar os 43 milhões de euros que esperava poupar com a reorganização curricular. Esse é o problema do Ministério da Educação. Porque neste Governo, ao que parece, cada ministério está entregue a si próprio no que toca ao seu “Plano de Poupanças”. Não há um plano global, uma coordenação... Neste momento, cada um toca (poupa) o que sabe!
http://www.tsf.pt/PaginaInicial/Portugal/Interior.aspx?content_id=1800651&tag=Educa%E7%E3o
Errata
Nesta intervenção, onde se ouve/lê:
“(...) esta reforma, que no fundo não é uma reforma, são ajustamentos no currículo, são necessários, nós sabemos que assim é, os pais e os professores sabem que há vantagens nesta reforma e, portanto, não podemos deixar que a controvérsia política vá impedir que aquilo que é bom se faça!”
deve-se ouvir/ler:
“(...) esta reforma, que no fundo não é uma reforma, são ajustamentos no currículo para poupar 43 milhões, porque os 43 milhões são necessários, nós sabemos que assim é, os pais e os professores sabem que há 43 milhões em jogo nesta reforma e, portanto, não podemos deixar que a controvérsia política vá impedir que a poupança dos 43 milhões se faça!”
http://www.tsf.pt/PaginaInicial/Portugal/Interior.aspx?content_id=1800651&tag=Educa%E7%E3o
Errata
Nesta intervenção, onde se ouve/lê:
“(...) esta reforma, que no fundo não é uma reforma, são ajustamentos no currículo, são necessários, nós sabemos que assim é, os pais e os professores sabem que há vantagens nesta reforma e, portanto, não podemos deixar que a controvérsia política vá impedir que aquilo que é bom se faça!”
deve-se ouvir/ler:
“(...) esta reforma, que no fundo não é uma reforma, são ajustamentos no currículo para poupar 43 milhões, porque os 43 milhões são necessários, nós sabemos que assim é, os pais e os professores sabem que há 43 milhões em jogo nesta reforma e, portanto, não podemos deixar que a controvérsia política vá impedir que a poupança dos 43 milhões se faça!”
Os Cantos
Os Cantos – A Tragédia de uma Família Açoriana é uma segunda incursão açoriana de Maria Filomena Mónica, depois da coordenação de Os Dabney – Uma Família Americana nos Açores, uma antologia organizada a partir dos Anais da família Dabney nos Açores (Tinta da China, 2009).
Sob a forma de biografia (pouco) romanceada, MFM centra-se na figura patriarcal de José do Canto, importante elemento da burguesia micaelense do século XIX (1820 - 1898).
Homem empreendor, extraordinariamente empenhado no desenvolvimento do seu país (e país, sem intuitos separatistas, é conceito que aplica aos Açores e, inclusive, exclusivamente à sua ilha – S. Miguel), José do Canto, filho segundo do morgado José Caetano do Canto e Medeiros, um pouco por “desistência” do seu irmão mais velho, André do Canto, vai-se tornar o herdeiro e centro da família, triplicando a fortuna durante a sua vida. Num acaso sentimentalmente feliz, o afastamento do irmão deixa-lhe inclusive o caminho aberto ao casamento com a mulher por quem desde cedo se apaixonara e que inicialmente estaria destinada a casar com André.
O livro, contextualizado por diversos estudos sobre a história dos Açores, é escrito com base na vasta correspondência trocada entre os elementos da família, sobretudo o próprio José do Canto, hábito desenvolvido como forma de cultura social e como necessidade, face às viagens e/ou ausências da ilha entre os Açores, Paris e Londres. Grande parte do seu conteúdo acaba por ser dedicado à tarefa da educação dos filhos homens, à boa velha maneira, no sentido de tornar o filho mais velho seu seguidor, perpetuando os seus interesses e as suas obras. Esse era um objectivo de vida, não concretizado.
Esse seu desejo, delineado com rigor, sairá completamente frustrado. A sua força e persistência serão insuficientes para arrastar António para o caminho traçado de acordo com os ideais de progresso à europeia. Não será a educação em Paris e, depois, na Alemanha, com sacrifícios pessoais e familiares – são anos vividos fora, que afastam a família e que afastam José do Canto da ilha que amava – que contribuirá para a concretização das suas expectativas. A relação difícil com o filho mais velho, o afastamento deste, inclusive físico, agravado com a doença do filho mais novo, aumentam a carga dramática da vida de José do Canto, sobretudo no caminho para o fim da vida.
«Nunca se recupera de uma infância feliz.»
Já não me recordo se são palavras de José do Canto ou de MFM a propósito de José do Canto.
«É verdade que sabia existir uma separação entre o sonho e a realidade, mas tal não significa que o tivesse interiorizado. (...) O que o salvou foi ter compreendido a tempo que, a não ser em momentos efémeros, os homens não estão destinados à felicidade.»
Pena que os recursos dos nosssos meios televisivos sejam limitados e que Maria Filomena Mónica, por essa razão, mesmo com o apoio do Script Fund (um programa europeu de apoio a séries televisivas), não tenha conseguido concretizar a ideia de uma série como tinha idealizado já no início década de 1990 e para o que chegou a trabalhar.
A José do Canto é natural que volte aqui, pelos Açores e porque ele está ligado à produção de ananases em estufa (foi ele o pioneiro), ao início da produção do único chá europeu – o chá dos Açores, na costa Norte de S. Miguel e a outros aspectos da vida económica e da própria paisagem de S. Miguel.
A sua curiosidade sobre as espécies vegetais levaram-no a criar o primeiro jardim botânica particular - o jardim José do Canto.
Sob a forma de biografia (pouco) romanceada, MFM centra-se na figura patriarcal de José do Canto, importante elemento da burguesia micaelense do século XIX (1820 - 1898).
Homem empreendor, extraordinariamente empenhado no desenvolvimento do seu país (e país, sem intuitos separatistas, é conceito que aplica aos Açores e, inclusive, exclusivamente à sua ilha – S. Miguel), José do Canto, filho segundo do morgado José Caetano do Canto e Medeiros, um pouco por “desistência” do seu irmão mais velho, André do Canto, vai-se tornar o herdeiro e centro da família, triplicando a fortuna durante a sua vida. Num acaso sentimentalmente feliz, o afastamento do irmão deixa-lhe inclusive o caminho aberto ao casamento com a mulher por quem desde cedo se apaixonara e que inicialmente estaria destinada a casar com André.
O livro, contextualizado por diversos estudos sobre a história dos Açores, é escrito com base na vasta correspondência trocada entre os elementos da família, sobretudo o próprio José do Canto, hábito desenvolvido como forma de cultura social e como necessidade, face às viagens e/ou ausências da ilha entre os Açores, Paris e Londres. Grande parte do seu conteúdo acaba por ser dedicado à tarefa da educação dos filhos homens, à boa velha maneira, no sentido de tornar o filho mais velho seu seguidor, perpetuando os seus interesses e as suas obras. Esse era um objectivo de vida, não concretizado.
Esse seu desejo, delineado com rigor, sairá completamente frustrado. A sua força e persistência serão insuficientes para arrastar António para o caminho traçado de acordo com os ideais de progresso à europeia. Não será a educação em Paris e, depois, na Alemanha, com sacrifícios pessoais e familiares – são anos vividos fora, que afastam a família e que afastam José do Canto da ilha que amava – que contribuirá para a concretização das suas expectativas. A relação difícil com o filho mais velho, o afastamento deste, inclusive físico, agravado com a doença do filho mais novo, aumentam a carga dramática da vida de José do Canto, sobretudo no caminho para o fim da vida.
«Nunca se recupera de uma infância feliz.»
Já não me recordo se são palavras de José do Canto ou de MFM a propósito de José do Canto.
«É verdade que sabia existir uma separação entre o sonho e a realidade, mas tal não significa que o tivesse interiorizado. (...) O que o salvou foi ter compreendido a tempo que, a não ser em momentos efémeros, os homens não estão destinados à felicidade.»
Pena que os recursos dos nosssos meios televisivos sejam limitados e que Maria Filomena Mónica, por essa razão, mesmo com o apoio do Script Fund (um programa europeu de apoio a séries televisivas), não tenha conseguido concretizar a ideia de uma série como tinha idealizado já no início década de 1990 e para o que chegou a trabalhar.
A José do Canto é natural que volte aqui, pelos Açores e porque ele está ligado à produção de ananases em estufa (foi ele o pioneiro), ao início da produção do único chá europeu – o chá dos Açores, na costa Norte de S. Miguel e a outros aspectos da vida económica e da própria paisagem de S. Miguel.
A sua curiosidade sobre as espécies vegetais levaram-no a criar o primeiro jardim botânica particular - o jardim José do Canto.
Carnaval
Chegado o Carnaval, no ar húmido e esvassoirado de vento, com alternativas estonteantes de sol e chuva, paira um cheiro enjoativo de bisnagas. A cidade inteira parece alucinada, azoada de barulhos raros. Voam núvens de papelinhos, cabeleiras multicores de serpentinas pendem das sacadas, dos fios telegráficos, esvoaçam, transpõem as ruas.
A Águeda confeccionou amorosamente dúzias de saquinhos, com retalhos de seda e veludo, enche-os de feijão, na esperança de ir a qualquer parte brincar. O Gabriel comprou uma máscara cor-de-rosa, de riso estúpido, e corre a meter medo aos amigos. Mas depressa foge dos chechés: «Dá cá uma pançadinha ao velho!» - «Bebés» de fralda suja, calça comprida e botas de carroceiro à mostra, sinistros, cambaleiam. Há dominós e alcoviteiras. Meninos mascarados de polícia, marquês de Pombal, toureiros, almirantes, campinos, generais, passam com muito juízo, na companhia das famílias, a caminho da Baixa, da Avenida, dos concursos de máscaras e bailes infantis, o retrato sai depois nos jornais. Ele fica a olhá-los com mágoa: nunca se mascarou... As cegarregas atroam os ares, passa a Dança da Luta, cegadas, danças de pretos, «frum-fum-fum, que vou pr'Angola!» Filarmónicas amolgadas regougam de vinho tinto, desafinadas, pedem esmola na encruzilhada. Passam bandos de máscaras em turbilhão, frenéticos pesadelos arrastados no vento. As janelas e sacadas enchem-se de gente. Há quem arremesse cocotes de farinhas a quem passa: estoiram nas fachadas, na calçada, acertam por acaso, há insultos e berros. De outras janelas pendem «vasculhos» como aranhas ameaçadoras. (A casa deles é recuada, não se pode brincar assim.) Ali em baixo, um homem curvou-se disfarçadamente a apanhar do passeio uma moeda de prata: era falsa e estava pregada ao chão com um prego! A gargalhada encheu a rua, ele apanhou com o vasculho, fugiu corrido e enfarinhado... Porque é que tudo isto nos entristece?
Ao Chiado não se pode romper, o grão-de-bico chove das janelas, não fica um chapéu de coco inteiro. A Rua Augusta e a do Ouro estão acolchoadas de confetti. É proibido apanhá-los do chão, mas não sei se percebem...
(...) Ele e a irmã arremessam coisas que nunca acertam, ninguém repara neles, perdidos no tumulto. Mas sempre voltam para casa com algumas coisas novas, e a Águeda conserva os saquinhos para o ano seguinte.
O Carnaval deixa-lhes um frio húmido no coração, um enjoo de patchouli, uma memória de farrapos expostos, de vinho vomitado, um desgarramento de cansaço. Serão assim todas as alegrias? «Os hospitais cheios de gente!» - diz a dona Adélia. Logo depois quarta-feira de Cinzas... Só restam as serpentinas, a descorar ao sol, ou a pingar chuva.
A Águeda confeccionou amorosamente dúzias de saquinhos, com retalhos de seda e veludo, enche-os de feijão, na esperança de ir a qualquer parte brincar. O Gabriel comprou uma máscara cor-de-rosa, de riso estúpido, e corre a meter medo aos amigos. Mas depressa foge dos chechés: «Dá cá uma pançadinha ao velho!» - «Bebés» de fralda suja, calça comprida e botas de carroceiro à mostra, sinistros, cambaleiam. Há dominós e alcoviteiras. Meninos mascarados de polícia, marquês de Pombal, toureiros, almirantes, campinos, generais, passam com muito juízo, na companhia das famílias, a caminho da Baixa, da Avenida, dos concursos de máscaras e bailes infantis, o retrato sai depois nos jornais. Ele fica a olhá-los com mágoa: nunca se mascarou... As cegarregas atroam os ares, passa a Dança da Luta, cegadas, danças de pretos, «frum-fum-fum, que vou pr'Angola!» Filarmónicas amolgadas regougam de vinho tinto, desafinadas, pedem esmola na encruzilhada. Passam bandos de máscaras em turbilhão, frenéticos pesadelos arrastados no vento. As janelas e sacadas enchem-se de gente. Há quem arremesse cocotes de farinhas a quem passa: estoiram nas fachadas, na calçada, acertam por acaso, há insultos e berros. De outras janelas pendem «vasculhos» como aranhas ameaçadoras. (A casa deles é recuada, não se pode brincar assim.) Ali em baixo, um homem curvou-se disfarçadamente a apanhar do passeio uma moeda de prata: era falsa e estava pregada ao chão com um prego! A gargalhada encheu a rua, ele apanhou com o vasculho, fugiu corrido e enfarinhado... Porque é que tudo isto nos entristece?
Ao Chiado não se pode romper, o grão-de-bico chove das janelas, não fica um chapéu de coco inteiro. A Rua Augusta e a do Ouro estão acolchoadas de confetti. É proibido apanhá-los do chão, mas não sei se percebem...
(...) Ele e a irmã arremessam coisas que nunca acertam, ninguém repara neles, perdidos no tumulto. Mas sempre voltam para casa com algumas coisas novas, e a Águeda conserva os saquinhos para o ano seguinte.
O Carnaval deixa-lhes um frio húmido no coração, um enjoo de patchouli, uma memória de farrapos expostos, de vinho vomitado, um desgarramento de cansaço. Serão assim todas as alegrias? «Os hospitais cheios de gente!» - diz a dona Adélia. Logo depois quarta-feira de Cinzas... Só restam as serpentinas, a descorar ao sol, ou a pingar chuva.
segunda-feira, 7 de março de 2011
Educação, não. Finanças!
A Assembleia da República, no uso de competências que lhe estão atribuídas, por acção de uma maioria oposicionista, aprovou a cessação de vigência do diploma com que o Governo reorganizava a estrutura curricular dos ensinos Básico e Secundário. Se as (o)posições se mantiverem, o diploma não chegará a fazer o seu caminho.
Em causa o desaparecimento da àrea curricular de Área de Projecto, a limitação de Estudo Acompanhado a um número menor de alunos (com o seu desaparecimento da componente lectiva dos professores?) e o fim do par pedagógico de Educação Visual e Tecnológica.
Em causa 43 milhões de euros em 2011, 120 milhões a partir de 2012. Porque as medidas previstas pelo Governo significam o fim de milhares de horários para professores daqueles níveis de ensino (perto de 40 mil, segundo a FENPROF). Essa é a questão. A poupança vem dos salários que se deixam de pagar porque não serão necessários tantos professores. Por mais que o Governo possa afirmar que não haverá despedimento de professores. É evidente que serão (ou seriam?) os professores contratados os que mais irão (ou que iriam?) sofrer com essas medidas. Será que o Governo considera que estes professores não entram na contagem do número de empregados/desempregados?
O cerne da questão, para o Governo, está nos milhões que pensa poupar.
Não são medidas de carácter organizativo-pedagógico para melhorar o ensino, não se trata de promover o sucesso ou o que quer que seja de construtivo. A “delegação do Ministério das Finanças a funcionar no Ministério da Educação” quer a aplicação das medidas para poupar. Neste momento de esquizofrenia financeira que tomou conta do país (mas sobretudo de quem nos governa), o Governo já nem procura disfarçar a finalidade das suas medidas: o PSD é acusado de “sabotar a execução orçamental”, contribuindo para o “aumento da despesa pública”; “é uma medida que terá sérias consequências financeiras no equilíbrio das contas públicas.”.
O Governo já se contenta em afirmar que a reorganização “não trará prejuízos didácticos”. A diminuição da despesa pública é que...
Mas quando, do nosso andar inferior (do nosso submundo) vemos o que se passa na área do poder político/económico/financeiro – o andar de cima (o mundo superior) – perguntamos:
A diminuição da despesa pública terá de passar por medidas cegas como esta? Terá de passar por estes ou outros cortes que não têm nenhuma justificação adequada à realidade e, sobretudo, podem hipotecar o futuro das pessoas (do país)?
Duvidamos das medidas. Porque, sobretudo, duvidamos de quem as quer pôr em prática. Não confiamos.
O que eu me interrogo é como Isabel Alçada, com o seu passado de professora (e sem objectivos de carreira política futura,creio) ainda aceita (consegue) ser ministra da Educação?
Educação?
Em causa o desaparecimento da àrea curricular de Área de Projecto, a limitação de Estudo Acompanhado a um número menor de alunos (com o seu desaparecimento da componente lectiva dos professores?) e o fim do par pedagógico de Educação Visual e Tecnológica.
Em causa 43 milhões de euros em 2011, 120 milhões a partir de 2012. Porque as medidas previstas pelo Governo significam o fim de milhares de horários para professores daqueles níveis de ensino (perto de 40 mil, segundo a FENPROF). Essa é a questão. A poupança vem dos salários que se deixam de pagar porque não serão necessários tantos professores. Por mais que o Governo possa afirmar que não haverá despedimento de professores. É evidente que serão (ou seriam?) os professores contratados os que mais irão (ou que iriam?) sofrer com essas medidas. Será que o Governo considera que estes professores não entram na contagem do número de empregados/desempregados?
O cerne da questão, para o Governo, está nos milhões que pensa poupar.
Não são medidas de carácter organizativo-pedagógico para melhorar o ensino, não se trata de promover o sucesso ou o que quer que seja de construtivo. A “delegação do Ministério das Finanças a funcionar no Ministério da Educação” quer a aplicação das medidas para poupar. Neste momento de esquizofrenia financeira que tomou conta do país (mas sobretudo de quem nos governa), o Governo já nem procura disfarçar a finalidade das suas medidas: o PSD é acusado de “sabotar a execução orçamental”, contribuindo para o “aumento da despesa pública”; “é uma medida que terá sérias consequências financeiras no equilíbrio das contas públicas.”.
O Governo já se contenta em afirmar que a reorganização “não trará prejuízos didácticos”. A diminuição da despesa pública é que...
Mas quando, do nosso andar inferior (do nosso submundo) vemos o que se passa na área do poder político/económico/financeiro – o andar de cima (o mundo superior) – perguntamos:
A diminuição da despesa pública terá de passar por medidas cegas como esta? Terá de passar por estes ou outros cortes que não têm nenhuma justificação adequada à realidade e, sobretudo, podem hipotecar o futuro das pessoas (do país)?
Duvidamos das medidas. Porque, sobretudo, duvidamos de quem as quer pôr em prática. Não confiamos.
O que eu me interrogo é como Isabel Alçada, com o seu passado de professora (e sem objectivos de carreira política futura,creio) ainda aceita (consegue) ser ministra da Educação?
Educação?
Angela Merkel vs Daniela Mercury
Uma colega da Ana, falando da crise, comentou o encontro entre José Sócrates e... Daniela Mercury!
sábado, 5 de março de 2011
Encontrei!!!
Foi a Ana quem me levou a uma loja de discos de vinil na Rua da Misericórdia (Sound Club Store - Vinyl for Life).
E encontrei o que procurava há anos:
E encontrei o que procurava há anos:
Só falta mandar arranjar o gira-discos!
sexta-feira, 4 de março de 2011
Danças Ocultas
Acabado de chegar do concerto dos Danças Ocultas no auditório do Museu do Oriente, não resisto a lembrar a sua música, transportada na memória auditiva. Magnífico espectáculo. Música tocada com "muito ar", refinada técnica, alma e uma alegria contagiante.
Fialho dos Gatos e das Uvas
Morreu há 100 anos José Valentim Fialho de Almeida, natural da alentejana Vila de Frades. "Eterno insatifeito", cronista e contista socialmente crítico, de palavra fácil e corrosiva.
Raúl Brandão dirá que "se o virassem do avesso, escorria ternura". Mas, como escreveu o próprio Fialho na entrada de Os gatos, «Deus fez o homem à sua imagem e semelhança, e fez o crítico à semelhança do gato. Ao crítico deu ele, como ao gato, a graça ondulosa e o assopro, o ronrom e a garra, a língua espinhosa e a câlinerie. Fê-lo nervoso e ágil, reflectido e preguiçoso; artista até ao requinte, sarcasta até à tortura, e para os amigos bom rapaz, desconfiado para os indiferentes e terrível com agressores e adversários.»
«Assuntos torpes não podem ser tratados em linguagem virginal, e é bom que se saiba que quem maneja a pena deve ter do papel de escritor noção mais estridente do que espremer frases cândidas para entretenimento de madamas que vão à Trindade aplaudir o Parfum, como cocottes.»
Raúl Brandão dirá que "se o virassem do avesso, escorria ternura". Mas, como escreveu o próprio Fialho na entrada de Os gatos, «Deus fez o homem à sua imagem e semelhança, e fez o crítico à semelhança do gato. Ao crítico deu ele, como ao gato, a graça ondulosa e o assopro, o ronrom e a garra, a língua espinhosa e a câlinerie. Fê-lo nervoso e ágil, reflectido e preguiçoso; artista até ao requinte, sarcasta até à tortura, e para os amigos bom rapaz, desconfiado para os indiferentes e terrível com agressores e adversários.»
A sua linguagem é que, em tempos de vocabulário curto e semântica estreita, não facilita que se afague "o gato".
Fialho de Almeida caricaturado por Vasco