domingo, 17 de abril de 2022

Uma malhada para os padres

«O dia de Páscoa era uma malhada para os padres. Enchiam as queijeiras e chegavam a criar-lhes mofo nas arcas os pães-de-ló e os bolos de trigo folhado. Os ovos que ajuntavam enfartariam um convento de gulosas freiras com os seus capelães durante um trintário. (...)

O Sr. P.e Francisco abancou, mal despiu o roquete, e, sem dizer Santa Maria val, acometeu o prato da sopa a fumegar. Os ajudantes também não se fizeram rogados, afora o Joaquim Javardo, o somítego, que primeiro se abraçou à cântara da água.
- Não beba, que se lhe gerescem rãs na barriga! - chalaceou Glorinhas.
- Tem aqui pinga! - acudiu a senhora Ana com uma caneca cheia de verdasco, a esfuziar.
- Uma vez só não castiga! - respondeu, limpando a beiça às costas da mão.
Comeram-lhe à tripa forra carniça refogada, cozida, assada, de porco, de vaca, de chibato, carniça para todos os paladares. O arroz estava de se trocar por um prato dele a imortalidade, o cabrito, rechinado no espeto e picadinho de sal, até fazia cócegas no céu da boca. Quem bem come bem bebe, acabaram a janta enfrascados e lerdos como patos na engorda.»

Aquilino Ribeiro, Terras do Demo


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