quarta-feira, 14 de abril de 2021

Dia Internacional do Café - chamar a Cristandade ao café

«Ousarei ainda desenrolar a minha surpresa perante os versos da epístola em que o Santo Padre recomenda o café, com bondoso fervor, insistindo mesmo que o tomemos de Moca e o saboreemos lentamente, em regalados goles? O café! Mas o café foi logo, desde a sua aparição, a bebida directa, quase oficial do racionalismo! Estimulando a imaginação e a razão indagadora - ele implicitamente dissolve o respeito pela regra e pelo dogma imutável. O café, mais que a Enciclopédia, fomentou a Grande Revolução. Bebido, com o alvoroço da sensação nova, por Buffon, Diderot, d'Alembert, Rousseau, ele aqueceu mais aquelas almas calorosas, aguçou mais aqueles espíritos penetrantes: e Michelet não duvida afirmar, com gongorismo, mas com rigor histórico, que essa geração forte descobriu no fundo das chávenas, através da negra e perfumada bebida, o luminoso raio de 89! Os ímpios do século XVIII foram insaciáveis bebedores de café - e, na primeira mesa do botequim do Procópio onde ele se bebeu, se improvisaram decerto as primeiras pilhérias sobre Jeová. Voltaire tirou da cafeteira toda a sua obra demolidora. Esse diabólico rei da Prússia, Frederico-o-Grande, que morreu dos excessos de café, e que se regalara de não acreditar nem em Deus nem na Vida Eterna, exclamava, moribundo: "Já não sou nada, já não bebo café! O café, a quem devo tanta ideia!... Agora ao almoço só sete chávenas e ao jantar apenas catorze!" Voltaire, Frederico da Prússia!... Estes dois únicos homens deviam tornar para sempre suspeitos à Igreja os escuros grãos de onde eles tiraram a força, o ardor, a petulância e "as ideias". E agora Nosso Santo Padre, num lardgo e doce gesto, urbi et orbi, chama a Cristandade ao café!»

Eça de Queirós, Notas Contemporâneas


Sai um cafezinho!


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