segunda-feira, 10 de junho de 2019

O feriado republicano de Camões

O Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas celebra o 10 de Junho de 1580, data da morte de Camões.

O génio da pátria, que Luís Vaz de Camões representava para os republicanos – foi em torno das comemorações camonianas de 1880 que os republicanos se guindaram politicamente –, passou a ser celebrado a partir de 1912, mas apenas como feriado municipal, em Lisboa.

Tendo reformado o calendário dos feriados, o Estado Novo manteve o de 10 de Junho, elevando-o à categoria de feriado nacional, exaltado num sentido nacionalista e como elemento da propaganda política do novo regime.

Foi a 10 de Junho de 1944 que o Estádio Nacional foi inaugurado e, durante a cerimónia, Salazar proferiu o discurso que viria a rebaptizar o feriado como o Dia da Raça, associando a data à celebração do "Mundo Português" e dos valores do regime.
Até ao 25 de Abril de 1974, o 10 de Junho ficou conhecido como o Dia de Camões, de Portugal e da Raça.

Com a Guerra Colonial, transformou-se numa data de homenagem às Forças Armadas e numa exaltação do poder colonial.
É da minha infância a atribuição das medalhas a militares que tinham combatido nos territórios africanos que Portugal administrava, incluindo a condecoração dos familiares, no caso dos combatentes falecidos – são essas as minhas memórias, televisivas, do 10 de Junho do Estado Novo.

Após o 25 de Abril de 1974, foi instituído, já em 1977, que o Dia de Camões passasse a ser dedicado também às comunidades portuguesas no estrangeiro, sendo celebrado em Portugal e no estrangeiro "com vista a levar a presença do nosso país às diferentes comunidades e a tornar estas mais conhecidas na sua nação de origem".

O primeiro Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas (1977) foi comemorado oficialmente na cidade da Guarda.
Jorge de Sena fez, então, um discurso em defesa de Camões, sentindo necessidade de explicar, num Portugal pós-revolucionário ainda com traumas da ditadura, que não se poderia apelidar Camões de… “fascista”.


«Antes de mais, neste país há que pôr um basta não só ao fascismo ele mesmo, mas à mania de atribuir tudo ao fascismo, até as ideias. Porque, por esse caminho, ficamos todos sem ideias de que precisamos muito, e os fascistas ou os saudosistas deles acabam convencidos de que tinham ideias, quando ter ideias e ser fascista é uma absoluta impossibilidade intelectual e moral.
(...)

Pensarão alguns, acreditando no que se fez do pobre Camões durante séculos, que celebrá-lo, ou meditá-lo e lê-lo, é prestar homenagem a um reaccionário horrível, um cantor de imperialismos nefandos, a um espírito preso à estreiteza mais tradicionalista da religião católica. Camões não tem culpa de ter vivido quando a Inquisição e a censura se instituíam todas poderosas: se o condenamos por isso, condenamo-nos nós todos a que, escrevendo ou não-escrevendo, e ainda vivos ou já mortos, resistimos durante décadas a uma censura opressiva, e a uma repressão implacável e insidiosa, escrevendo nas entrelinhas como ele escreveu.»
Jorge de Sena




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