domingo, 28 de abril de 2019

José Rodrigues Miguéis e Lisboa (4)

«(...) Há horas em que a Cidade parece regressar àquele instante inicial de paz e criação: o sol cai a pino sobre a calçada reverberante e um recolhimento no ar, uma vela vermelha e cautelosa rasteja (como ao tempo dos califas) no esmalte azul do Tejo, um calor voluptuoso irradia dos corações... Presépio, anfiteatro, cais dum destino, plano inclinado por onde há séculos um povo e uma alma parecem escoar-se a caminho de outros mundos e paisagens, do pão amargo sobretudo, - Lisboa é este rio imenso, este horizonte de apelos sem fim, e não se pode ter nascido aqui, vivido aqui, ou ser-lhe assimilado, sem lhe sofrer o influxo, sem ficar para sempre marcado duma vocação, dum desgarramento e fatalismo, dum anseio de partir e tornar, duma sensual melancolia.»
José Rodrigues Miguéis, Lisboa, cidade triste e alegre




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