quarta-feira, 26 de julho de 2017

As cheias de 1967 e a censura - a propósito de vítimas...

Noite de 25 para 26 de Novembro de 1967 - chuva intensa sobre a região de Lisboa.

1.ª edição do Diário de Lisboa de 26 de Novembro de 1967
O Diário de Notícias, três dias depois, indicava 427 mortos.
A censura impôs o fim da contagem pública das vítimas.
Nunca se chegou a saber o seu número certo. Os poderes públicos não quiseram que se soubesse da verdadeira dimensão da tragédia.

Seria demasiado triste que no Portugal pós-25 de Abril acontecesse uma situação semelhante!

As cheias inscreveram-se no debate político, na medida do possível, em 1967. O regime procurava enquadrar o ocorrido na categoria do desastre natural.

À época das inundações de 1967, a comunicação social afecta ao regime do Estado Novo punha a tónica no carácter inesperado da catástrofe, na sua origem natural - «(...) a violência do fenómeno de carácter excepcional, registado nas horas dramáticas da noite de 25 para 26 de Novembro, pode explicar cabalmente a grandeza dos prejuízos causados (...).» (nota oficiosa do Ministério do Interior) - e na «cadeia de solidariedade humana (…) sem distinção de classes», que havia significado a «vitória do homem, que a natureza tinha esmagado» (Diário da Manhã).

A oposição colocava a tónica nas condições sociais que levaram a que as fortes chuvadas se tivessem transformado num desastre humano.

Se num primeiro momento saíram notícias sobre o assunto, não tardou que a acção da censura se fizesse sentir para evitar leituras políticas críticas.
As autoridades tentaram ocultar a divulgação actualizada do número de mortos.

A 27 de Novembro, um telegrama da Direcção da Censura enviava as orientações às delegações locais: «Gravuras da tragédia: é conveniente ir atenuando a história. Urnas e coisas semelhantes não adianta nada e é chocante. É altura de acabar com isso. É altura de pôr os títulos mais pequenos.» 

Em 29 de Novembro, determinava-se: «Inundações: os títulos não podem exceder a largura de 1/2 página e vão à censura. Não falar no mau cheiro dos cadáveres.»

A imprensa estrangeira foi acusada de divulgar "notícias tendenciosas", a propósito da forma como o governo havia actuado.

Vivemos uma época diferente, felizmente. Se a liberdade de informação é fundamental numa democracia, a responsabilidade de quem trabalha essa informação é grande. 

Os incêndios, como as cheias, inscreveram-se no debate político.

O que se tem visto da parte de muita comunicação social é demasiada excitação e pouco tino. Com múltiplas leituras e múltiplos aproveitamentos. Leituras e aproveitamentos tendenciosos.
E, muitas vezes, com títulos tendenciosos, mesmo as notícias são tendenciosas! Mais do que tendenciosas: estupidamente tendenciosas! Pode-se falar em manipulação.

Não que os jornalistas não possam interrogar a realidade e questionar os poderes - têm esse dever.
Mas interrogar a realidade e ter sentido crítico obriga a uma maior racionalização/capacidade de pensar essa realidade, a um maior conhecimento e a uma maturidade que a maioria dos jornalistas visivelmente não tem. 
Depois, comunicação social e redes sociais andam demasiado ligadas entre si e este relacionamento exige novidades a todo o momento - a actualidade ferve e não se pensa. Pensar exige tempo, essa é outra das suas condições.

Porque as opiniões são leituras (mais) tendenciosas (ter opinião não significa ser neutro), a participação dos comentadores vem acentuar essa relação e reforçar outras ligações: as ligações a programas político-ideológicos, associados a interesses financeiros.  
Na actual situação, com os comentadores acentuam-se os interesses ideológicos que, no caso da direita, não encontram expressão a nível da capacidade política dos dirigentes dos partidos da oposição. Esses comentadores procuram compensar a força que a direita política não mostra. 


A urgência do tempo presente dificilmente os faz aguentar, uma legislatura que seja, o "jejum do poder".


Esta crónica de Camilo Lourenço, no início deste mês, é um excelente exemplo.
A meio do texto, este comentador afirma:
«No meio destas tragédias eu só espero uma coisa: que o líder da oposição, Passos Coelho não fale. Ou, se falar, que se faça acompanhar, nas suas viagens pelo país, de algum assessor com dois dedos de testa. E, já agora, que faça o que ele manda. Estou farto de ver Passos Coelho a dar mão a António Costa quando este se está a afundar...»

Os destaques são meus, mas a frase sublinhada é um programa de intenções: "faça o que ele manda"! Seja um pau mandado - é isso que o autor espera de um (do seu) líder político.
Agora não estrague, Pedro...

Que os poderes públicos democráticos não sigam o exemplo do regime Estado Novo e que o poder político se saiba afirmar democraticamente e não se cole a interesses duvidosos.
É que às vezes (demasiadas, para o meu gosto!) põe-se a jeito! 
Agora não estraguem!


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