quinta-feira, 13 de outubro de 2016

O Império dos Pardais


Confirma-se.

«Um bando de pombos esvoaçava incomodado por umas gaivotas atrevidas que haviam deixado a proximidade do Tejo para entrar nos seus domínios; pequenos pardais aproveitavam aquele alvoroço para debicar migalhas perdidas pelo chão, ocupando por sua conta uma das esquinas da praça e espalhando-se por algumas ruas laterais. Miguel observava aqueles pequenitos vivaços que evitavam os conflitos entre os maiores e que se fortaleciam enquanto os outros se desgastavam. Com um sorriso nos lábios pensava: "É assim que os pardais constroem seus impérios."
(...)
Enquanto os pombos tinham seu império no centro, os pardais continuavam a dominar zonas periféricas da praça. Em sua circulação, carregando gravetos e migalhas, eram por vezes molestados pelas aves maiores, que até chegavam a tirar-lhes a comida que transportavam. Apesar disso, os pardais não desarmavam, e numa ruela contígua a S. Domingos, tinham-se aliado aos estorninhos contra os melros, e ganhavam território, enquanto nas imediações da Rua Nova d'el-rei juntavam-se aos rouxinóis para afrontarem os piscos e as incursões das gaivotas. Outros refaziam aliança com as andorinhas recém-chegadas e dominavam áreas que as pegas tinham por suas e que os pombos também cobiçavam.
Rodrigo olhou demoradamente para os movimentos da passarada. O império estava mudado: adaptara-se à concorrência e reestruturara-se, e os pardais não pareciam perturbados por tais mudanças. Sofriam com paciência as bicadas dos pássaros grandes, pois como era próprio dos animais, eles nunca haviam confundido sua natureza e sempre tinham sabido que eram apenas os pequenos, mas bravos pardais.» 
(João Paulo Oliveira e Costa, O Império dos Pardais)
Excerto do início e do final do romance.


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