quinta-feira, 11 de agosto de 2016

Incêndios - ir aos arquivos

Porque a História não se repete... mas quase!

Luís Afonso - Cartoon de 2003



«A cíclica consequência dos dramáticos incêndios de Verão tem a ver com (...) aquela estúpida ideia de modernização de Portugal, assente num absurdo conceito de desenvolvimento que nos fez macrocefalizar no litoral e desertificar no interior. (...)

Quem se der ao trabalho de fazer uma análise diacrónica de tais trágicos eventos, comparando os sempiternos discursos ministeriais sobre os repetidos acontecimentos, poderá, sem dúvida, compor mais um desses líricos discursos sobre o nosso amargurado destino, fazendo-os acompanhar com os trinados faduchos da inevitabilidade. (...)

O país continua a arder porque abandonámos, da agricultura, os princípios das projectadas leis de fomento agrário de Joaquim Pedro Oliveira Martins e Ezequiel de Campos, optando pela suicida perspectiva dos desenvolvimentistas que comandaram o processo de integração na CEE.

(... ) enquanto os tecnocratas dos fumos de chaminés, os especialistas em engenharia financeira, os planeadores do betão e os criados das multinacionais nos iam transformando em terra de ninguém, passando dos governos presidenciais para os governos da AD e, destes, para o do Bloco Central, enquanto nos intervalos abichavam tachos em empresas públicas e quase monopolizavam o sistema de consultadoria da integração europeia, do desenvolvimento regional e do apoio às autarquias. (...)

Não reparámos que uma das nossas especificidades tem a ver com o facto de, em termos de mata, sermos o país mais minifundiário da Europa. Com mais de meio milhão de proprietários florestais, e menos de dez por cento do país cadastrado, quase todos nós temos o nosso pedacinho de pinhal lá na santa terrinha, o sustento que serviu para a compra de um andar peri-urbano, bancariamente hipotecado, que se vai saldando com um trabalho burocrático no sector dito dos serviços. Daí que a racionalização da floresta passe pelo conflito com o individualista direito de propriedade, onde só através de um renovado plano de emparcelamentos poderemos permitir a criação de condições para um adequado ataque aos incêndios. E basta recordar como, por ocasião de outros grandes fogos, falharam estrondosamente planos ministeriais europeizados, inadequados às condições sociais. (...)

Outrora, as matas integravam-se num certo ciclo económico que garantia uma exploração mais ou menos racional, quando os padeiros, dos fornos a lenha, até pagavam aos proprietários para limparem as respectivas matas, numa altura em que, nas aldeias e vilas, ainda vivia uma elite nacional e uma população activa que mantinham um certo equilíbrio com a paisagem do Portugal dito profundo. (...)

É esse Portugal de um campesinato livre que continuamos a destruir impunemente, para nos transformarmos num bando de subsidiodependentes que têm que agradecer aos ministros dos reformados, aposentados e medalhados, esses auto-convencidos demagogos, que, distribuindo moedinhas, tentam comprar o voto. Se não optarmos por outro modelo de desenvolvimento, Portugal continuará a arder. (...)

Porque continuam livres os incendiários da mera negligência, incluindo os tais que prometem livros brancos e novos planos para a racionalização das florestas, quando, dentro do actual sistema, todas as promessas de recuperação das matas são economicamente inviáveis. Limpar o espaço de mais de meio milhão de proprietários custaria não sei quantos orçamentos de Estado. Obrigar todos eles ao cumprimento da lei das limpezas, obrigaria a que mobilizássemos para o efeito as próprias forças armadas. Basta fazermos contas ou experimentarmos. (...)»

José Adelino Maltez, (texto escrito em Agosto de 2005)

E "parece" haver intere$$es à volta das madeiras (e de terrenos para elas) e de aviões e helicópteros...
E há os pirómanos...

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