terça-feira, 7 de julho de 2015

Maria Barroso

Uma vida rara (para uma mulher, num país como Portugal, pós-1926).

1925 - 2015






«Uma cidadã modesta mas amante da liberdade, da solidariedade e do amor.»
(auto-memória)





DEPOIS DE MIM

Um dia (sei-o bem)
os campos ficarão eternamente floridos
e a chaga que me inquieta
deixará de sangrar em todos os peitos.
Os homens já não estarão curvados sobre as terras
e a leiteira não virá mais trazer-me as bilhas com o seu ar de humildade.

A mulher dos ovos e o homem da fruta,
o rapaz pobre envergonhado de dizer: eu sei,
o camponês prestando contas da estação,
os vultos negros do subsolo,
a linda mãe solteira,
deixarão de sorrir com humildade.

Humildade ficará nos dicionário como esqueleto em museu arqueológico.
Eu próprio nunca mais farei baixar as pálpebras
e deixarei que o sol me inunde bem nos olhos.

Um dia
(ah sinto-o bem para além das milhentas folhas de todos os tratados)
uma onda de amor invadirá tudo e todos.


Mário Dionísio (Poemas - 1936-1938)


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