quarta-feira, 18 de fevereiro de 2015

Luísa Dacosta - o fim dos sonhos

«Na infância, o sonho tinha muitas moradas: nas árvores do quintal, no quarto das malas, nos retratos antigos, nos panos orientais da sala, na noite, no longe e no fundo do tempo dos dias a vir. Mas uma dessas moradas, e muito da minha atenção, era a casa das bonecas, instalada no armário de sacristia do meu quarto. (...) Quando as portas do armário se abriam o sonho desdobrava, também, as suas asas. E eu entrava na ficção, feliz, daquele mundo de faz de conta...»

E Luísa Dacosta quis partilhar com os seus alunos (e outros) o clima da sua infância.
E nem sempre a infância - e toda a vida - se faz só de sonhos.

«Lamento sair desta vida bastante desiludida. Por exemplo, em relação à alegria com que festejei o fim da II Guerra, a pensar que nunca mais havia guerras, e que vinha aí a solidariedade, a democracia e a liberdade para todos. Mas não. Estamos num mundo criminoso em que 70 por cento da população mundial não tem acesso à água, à comida, à saúde, à educação. Sobretudo, incomoda-me partir com a certeza de que a parte mais esmagada deste mundo é a mulher. Isso dói-me. A pessoa sai daqui a pensar que certas coisas pelas quais lutou já nunca mais aconteceriam, e afinal pioram. Nunca pensei que as mulheres se fizessem a elas próprias bombas. É preciso um desespero terrível e já não acreditar em mais nada, para se fazer uma coisa dessas. Isto significa que criámos um mundo que é imoral. Há uns que julgam que já viram tudo, que já sabem tudo, que já têm tudo, e há outros que andam a esgravatar, a ver se encontram umas sementes na terra. É uma coisa atroz. Nunca fui optimista, mas tão pessimista como agora, também não.»


Luísa Dacosta morreu na véspera de fazer 88 anos.



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