quinta-feira, 10 de abril de 2014

(...) o que a primavera faz com as cerejeiras

Quero fazer contigo 
o que a primavera faz com as cerejeiras.



Brincas todos os dias com a luz do universo. 
Subtil visitadora, chegas na flor e na água.
És mais do que a pequena cabeça branca que aperto
como um cacho entre as mãos todos os dias.


Com ninguém te pareces desde que eu te amo.
Deixa-me estender-te entre grinaldas amarelas.
Quem escreve o teu nome com letras de fumo 

entre as estrelas do sul? 
Ah, deixa-me lembrar como eras então, 
quando ainda não existias. 

Subitamente o vento uiva e bate à minha janela fechada.
O céu é uma rede coalhada de peixes sombrios.
Aqui vêm soprar todos os ventos, todos.
Aqui despe-se a chuva.


Passam fugindo os pássaros.
O vento. O vento.
Eu só posso lutar contra a força dos homens.
O temporal amontoa folhas escuras
e solta todos os barcos que esta noite amarraram ao céu.


Tu estás aqui. Ah tu não foges.
Tu responder-me-ás até ao último grito.
Enrola-te a meu lado como se tivesses medo.
Porém mais que uma vez correu uma sombra estranha 

pelos teus olhos.

Agora, agora também, pequena, trazes-me madressilva,
e tens até os seios perfumados.
Enquanto o vento triste galopa matando borboletas
eu amo-te, e a minha alegria morde a tua boca de ameixa.


Quanto te haverá doído acostumares-te a mim,
à minha alma selvagem e só, 

ao meu nome que todos escorraçam. 
Vimos arder tantas vezes a estrela d'alva beijando-nos os olhos 
e sobre as nossas cabeças destorcerem-se os crepúsculos 

em leques rodopiantes.
As minhas palavras choveram sobre ti acariciando-te.
Amei desde há que tempo o teu corpo de nácar moreno.
Creio-te mesmo dona do Universo.
Vou trazer-te das montanhas flores alegres, «copihues»,
avelãs escuras, e cestos silvestres de beijos.


Quero fazer contigo
o que a primavera faz com as cerejeiras.

Pablo Neruda, Vinte Poemas de Amor e uma Canção Desesperada




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