quarta-feira, 26 de março de 2014

Os rapazes dos tanques (take 2)

Na sequência do post anterior...


«O olho da câmara entrou dentro da pasta de onde o entrevistado começou a fazer sair documentos, cartas, fotografias, relatos, fitas de gravações antigas, actas de reuniões, papelada. Todo aquele esforço para retirar do anonimato os tais três tipos que tinham sido decisivos no trajecto do golpe, no Terreiro do Paço, e no entanto ainda não haviam sido identificados. (...) "Isto é, quando o brigadeiro de Cavalaria 7, na Ribeira das Naus, deu ordem para abater o capitão, houve aquele alferes que, já referi, que se recusou a cumprir, estando-lhe apontada à cabeça uma arma do próprio brigadeiro. Era um jovem de olhos pretos, bigodes chineses, rosto fino. Identificado, mas não reconhecido. Nunca ninguém disse a esse homem, obrigado. Pior um pouco em relação aos que se lhe seguiram na resistência. O cabo, e o primeiro soldado, e o soldado soldado, e o terceiro soldado, entre eles o apontador, todos se recusaram a cumprir a ordem, esse gesto decisivo, o mais decisivo de todos os gestos desse dia, e no entanto, não são conhecidos, nem sequer nomeados. Pois quero que sejam conhecidos e reconhecidos, antes que seja tarde." Disse, mantendo sobre os joelhos a pasta esventrada.»
Lídia Jorge, Os memoráveis
(livro em leitura)


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