terça-feira, 24 de dezembro de 2013

A ceia de Natal

«Veio oportunamente em seu auxílio Ângelo, que, tendo feito uma digressão pela sala do refeitório, voltou com a alegre nova de que a ceia estava na mesa.
O anúncio foi recebido com aparente entusiasmo. Suspenderam-se trabalhos, quase completos, ultimaram-se à pressa outros, e a companhia dirigiu-se para o corredor.
Pouco depois de Ângelo, chegou D. Vitória, desmentindo-o e pretendendo suster a corrente, que ameaçava invadir a sala, que ela ainda não dera por pronta. Já não era tempo. O conselheiro, tomando duas crianças ao colo, rompia a marcha e atrás dele até a pacífica D. Doroteia clamava insubordinada que não recuaria um passo.
E falando e rindo assim entraram na sala.
Estava ofuscante de luzes, esplêndida de louças e baixelas, enfeitada de flores e de cristais e enevoada dos vapores das iguarias.
Houve um grande rumor de cadeiras arrastadas, uma confusão e incoerência de ordens de D. Vitória para marcar lugares, infracções destas ordens, que a impacientavam como se com isso pudesse perigar a ordem natural e social do mundo, e, como justa consequência, caía sobre as cabeças dos criados uma enfiada de recriminações, que eles por hábito já sofriam com exemplar paciência.
Restabelecida enfim a ordem, procedeu-se à ceia.
Ceia de Natal!»


Júlio Dinis, A Morgadinha dos Canaviais


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