domingo, 31 de março de 2013

Entre Março e Abril

Que cheiro doce e fresco,
por entre a chuva,
me traz o sol,
me traz o rosto,
entre março e abril,
o rosto que foi meu,
o único
que foi afago e festa e primavera?

Oh cheiro puro e só da terra!
Não das mimosas,
que já tinham florido
no meio dos pinheiros; 
não dos lilases,
pois era cedo ainda
para mostrarem
o coração às rosas;
mas das tímidas, dóceis flores
de cor difícil,
entre limão e vinho,
entre marfim e mel,
abertas no canteiro junto ao tanque.

Frésias,
ó pura memória
de ter cantado -
pálidas, fragrantes,
entre chuva e sol
e chuva
- que mãos vos colhem,
agora que estão mortas
as mãos que foram minhas?
Eugénio de Andrade, Coração do dia


sábado, 30 de março de 2013

Atento ao eco do silêncio



P.S. - Roubei o título a JSB 
(Jorge Sousa Braga, não Johann Sebastian Bach).

sexta-feira, 29 de março de 2013

Judas, um amigo de Jesus

«Só quem me ama me pode trair (...)
(...)
Sem o gesto de Judas, Jesus não alcançaria afinal a sua Páscoa.»
José Tolentino de Mendonça, Nenhum Caminho será Longo


«Então um dos doze discípulos, chamado Judas Iscariotes, foi perguntar aos chefes dos sacerdotes: "Quanto é que me dão se vos entregar Jesus?" E deram-lhe trinta moedas de prata.»
Mateus, 26,14-15



Sangra, ó afectuoso coração


P.S. - Não há Páscoa sem uma Paixão.

quinta-feira, 28 de março de 2013

Cristo no Monte das Oliveiras

Segundo a narrativa religiosa, na 5.ª f, após a ceia em que anunciou a sua morte iminente, Jesus subiu ao Monte das Oliveiras para meditar e orar.

Beethoven, no oratório Cristo no Monte das Oliveiras, celebra o episódio.
A obra foi concluída no final de 1802, após ter escrito o chamado Testamento de Heilligenstadt, uma carta dirigida aos seus irmãos, depois dos primeiros sinais de surdez, onde afirma a sua convicção na música como redentora de todos os males.

Abertura


Sem pretender comparar as composições, "o meu primeiro Monte das Oliveiras" foi este, na ópera-rock Jesus Cristo Superstar.  


À época, esta versão era-me muito mais atraente (da outra nem ouvira falar).

Prolongamento da Quaresma

É bom que haja vida para lá de Sócrates e de Coelho.
Mas com este Coelhinho da Páscoa, adivinha-se que vamos ter a Quaresma prolongada e os sacrifícios aumentados.
A Troika agradece os sacrifícios, mas a nossa fé vai diminuindo.
Não resiste a tanto jejum.

Faz-nos falta o Sol.


O regresso de Sócrates (3)

Quando temos pouca vida...
vivemos de narrativas.

«A História é o género literário mais próximo da ficção.»

O regresso de Sócrates (2)


...e disparou sobre o "mudo".

O "mudo" não responderá.
(só no próximo prefácio)

quarta-feira, 27 de março de 2013

Combate ao desemprego


Este senhor sabe muito... ou
Há coisas que escapam à minha capacidade de compreensão.

O espírito da paz

No bico, o raminho de oliveira


Na foto final dos Madredeus deviam estar: Francisco Ribeiro, Gabriel Gomes e Rodrigo Leão


Bolos alentejanos


Provadamente que (pelo menos os folhados) são bons.

Tenho muitas saudades do sabor das popias feitas pela minha tia Alda. 
Duas, logo pela manhã, vindas há pouco do forno, guardadas na cozinha para quando me levantasse.

O forno era um pouco mais abaixo (para a esq.ª).

Baixar o salário ao salafrário!


Está a viver acima das nossas possibilidades!...

terça-feira, 26 de março de 2013

Júlio Pomar

Depois de Graça Morais, é Júlio Pomar que figura na capa do JL. São os artistas plásticos em destaque...
Dia 5 de Abril abre portas o Atelier-Museu Júlio Pomar.
«(...) este é o tempo de tirar a limpo se estes anos todos em que estive a 'tentar fazer coisas' valeram a pena. Penso que é uma expressão que diz tudo. E deixa aberto que 'coisas'... No fundo, é o tempo de perguntar se existir valeu a pena. E essa é uma questão que as pessoas se devem sempre pôr, seja qual for a sua actividade. No dia em que não se puserem essa questão, a vida será uma triste tristeza.»


"Cada quadro é uma aventura"

Azeite Herculano

Em 1867, já com 57 anos, Alexandre Herculano casou-se com D. Mariana Hermínia de Meira, retirando-se para a sua quinta em Vale de Lobos, na Azóia de Baixo, onde se dedicou à agricultura.


Herculano introduziu aí a cultura de beterraba e dedicou-se à produção de azeite de qualidade, construindo um lagar para o efeito. Adoptou a tecnologia italiana e apresentou o primeiro azeite português de marca - o Azeite Herculano.
Escreveu Bulhão Pato: «Azeite de prato, como é notório, era coisa que não se conhecia em Portugal. Foi Herculano quem deu a iniciativa, fabricando o precioso azeite de Vale de Lobos. (...) Sem azeite fino não há maionese, e creio que ninguém duvidará que uma boa maionese vale um bom livro.»

O Azeite Herculano, comercializado em exclusivo pela casa Jerónimo Martins, foi premiado em diversas exposições industriais.
Em 1870, Herculano escrevia a Oliveira Martins:
«V. S.ª reconhece que este país encerra um povo exausto de seiva moral. Não perdeu a liberdade: vinha perdido do papado, e acabam de o perder certas influências francesas de diversas espécies, que não sei se são democráticas (...) Houve tempos em que eu pensava nestas coisas: hoje só penso e devo pensar em questões de trigo, vinho e azeite. Os rapazes que cuidem da pátria.»


Bom apetite!

A oliveira e o sumo da azeitona

A oliveira terá crescido espontaneamente na Mesopotâmia, na Palestina e na Grécia, e espalhou-se por toda a orla do Mediterrâneo e Ásia Menor. Teve uma importância fundamental na economia e na vida dos povos e está ligada a uma série de mitos.

Já existiria na Península Ibérica (trazida pelos Fenícios?) quando os romanos aqui chegaram, mas foram estes que expandiram o seu cultivo, o que os Muçulmanos também fizeram mais tarde.
A produção de azeite era importante, pela diversidade do seu uso: alimentação, iluminação, como lubrificante, cosmético, remédio, óleo sagrado...

No capítulo da alimentação, o azeite faz parte da trilogia alimentar do Mediterrâneo: trigo, vinho e azeite. Faz parte da nossa tradição gastronómica.
Mas se Portugal está no top 10 dos produtores mundiais (há pouco tempo ocupava o 8.º lugar) e o azeite que aqui se produz merece destaque pela sua qualidade, a realidade nem sempre foi esta.
No século XVIII ainda se afirmava que os azeites portugueses "têm um cheiro desgostoso” e um “sabor picante”.

Varejamento
Estrangeiros que visitaram o reino no século XIX e que se pronunciaram sobre o azeite português faziam-no num tom severamente crítico, pela sua má qualidade. «(...) é invariavelmente forte e rançoso, pois que o preferem com esse gosto aos finos azeites de Florença, ou Lucca, dizendo ‘esses não têm sabor’.» (Marianne Baillie, 1821-23); «A predilecção pelo ranço é quase geral entre os portugueses, e por isso gostam só do azeite que tem adquirido, pelo decorrer do tempo, um travo desagradável.» (Félix Lichnowsky, 1842).
Em meados de oitocentos, as cozinhas mais exigentes e refinadas importavam os azeites mais finos de Itália ou França.
«Quando da Exposição Universal de Paris, em 1878, só a muito custo foi possível convencer o júri de que o azeite português apresentado a concurso era comestível e não próprio para máquinas.» As razões estariam na ineficiência técnica e na falta de higiene.
Lagar tradicional, em Moura
Mas foi no final do século XIX que se verificou o grande incremento do olival, nomeadamente no Norte do país, havendo quem o associe à iluminação pública e/ou ao maior consumo de batatas, de tomate e de bacalhau.
E se ainda predominavam os lagares arcaicos ligados a pequenas propriedades, produzindo azeites “pouco finos”, os grandes produtores procederam às inovações técnicas essenciais – a utilização da máquina a vapor e a substituição, nos lagares, das varas pelas prensas hidráulicas.
E Alexandre Herculano foi o percursor do “novo azeite”.


segunda-feira, 25 de março de 2013

Quem desenha mal?

«A composição das medidas para alcançar as metas do défice é da responsabilidade do Governo.»
Abebe Selassié

De quem é o desenho?

10 livros para a Troika

Aos técnicos da troika que fazem as avaliações da aplicação do programa em Portugal, aconselho a leitura de:



A espantosa realidade das coisas

Numa entrevista à agência Lusa, o chefe da missão do FMI para Portugal, Abebe Selassié, mostrou espanto pelo resultado do desemprego - "é muito infeliz, é mesmo muito pior que o esperado" -, desapontamento porque os preços da luz e das telecomunicações não estão a descer, incompreensão porque a "austeridade expansionista" não está a funcionar e surpresa porque "as pequenas e médias empresas continuam a ter dificuldades em aceder ao crédito".

Ao fim de 7 avaliações da troika, concluímos que é cada vez mais forte a influência de Alberto Caeiro no pensamento dos economistas.
A espantosa realidade das coisas
É a minha descoberta de todos os dias.

Na mesma linha poética, o chefe da missão do FMI até já meteu o requerimento para mudar o nome para Ah!... Bebe... Sei lá Se É.

Há só uma janela fechada, e todo o mundo lá fora;
E nunca mais a abrem... para ver o mundo.  

Oliveiras


«Oliveiras por toda a parte. Algumas têm o tronco oco; há as que quatro homens não podem abranger, e há as pequeninas como arbustos. É a árvore do martírio. Podada e repodada todos os dez anos, envelhece. Não se pode desenvolver: torce-se. E quanto mais sofre mais azeite dá - melhor azeite dá. Às vezes reduz-se só à casca e a um raminho, mas não morre... Ocas, torcidas, pobres como os pobres de pedir, só com aquele braço com uma folhinha cinzenta (e a candeia pendurada) dão azeite até ao fim da vida.»
Maria Angelina e Raúl Brandão, Portugal Pequenino


domingo, 24 de março de 2013

O Abade Correia da Serra na América

Serpa - Estátua do Abade
O abade que está à sombra da oliveira, natural de Serpa, distinto naturalista e co-fundador da Academia das Ciências de Lisboa, viveu entre 1750 e 1823.
Tendo estudado em Nápoles e Roma, vivido em Londres e Paris, conviveu com muitos ilustres da sua época, entre os quais um dos redactores da Declaração de Independência dos Estados Unidos e seu 3.º Presidente da República, Thomas Jefferson.

José Francisco Correia da Serra nasceu em Serpa,
no prédio junto ao qual está o automóvel (à esq.)
E na mansão de Jefferson, em Monticello, existe o Quarto do Abade, em homenagem ao hóspede Correia da Serra, que, tendo ido para os Estados Unidos em 1812, se tornaria embaixador de Portugal junto do Governo americano (1816 a 1820).
Conhecedor profundo de diversos ramos das ciências, sobretudo de botânica, Correia da Serra ganhou a elevada admiração do próprio Jefferson, que lhe chamou um Savant of Europe. O português fazia anualmente a sua “peregrinação” a Monticello (assim chamava às suas visitas) e foi a única pessoa de fora da família a ser convidada para ali viver.

O retrato do Abade lá está,
no quarto com o seu nome
E com o Abade o Presidente terá falado do seu sonho de plantar sobreiros nos Estados Unidos, desde 1786, quando fazia parte da Associação Agrícola da Carolina do Sul.
Jefferson conhecera o sobreiro em Inglaterra (!) e em França, e foi de Paris que enviou uma caixa de landes de sobreiro, em 1787 (estava a França à beira da Revolução). Mas as “sementes” já não teriam chegado em condições e nenhum sobreiro vingou.
Em 1826, pouco antes de morrer, ainda Jefferson propunha a um professor de história natural da Universidade de Virgínia a plantação de sobreiros. A 4 de Julho desse ano (data do aniversário da independência), Jefferson morreu sem concretizar o seu sonho.

Monticello

Como escreveu Vieira Natividade, o grande especialista da subericultura, “A cultura do sobreiro é uma cultura rica nos nossos solos pobres, é uma cultura pobre nos solos ricos do continente americano.»

Serpa, localizando-se numa província suberícola, não se distingue especialmente pelos seus sobreiros. Mas tem as oliveiras. Por isso o Abade lá está, à sua sombra.


Para saber mais sobre a relação do Abade Correia da Serra com Thomas Jefferson, pode ser consultado o site sobre a mansão de Monticello.

Oliveiras (em Domingo de Ramos)



Oliveiras na Alameda abade Correia da Serra - Serpa
À sua sombra está sentado o bom abade, nascido em Serpa (1750) e muito dedicado aos estudos de botânica.
As 3 oliveiras que rodeiam a estátua foram para aqui transplantadas em 1978 e estão classificadas como árvores de interesse público. Ao que dizem os especialistas, terão uma idade muito próxima dos... 2 mil anos! 

Mais informações sobre as oliveiras de Serpa podem ser obtidas aqui.

Estendais







Este "algures" na Islândia até dá a ideia de uma insularidade soalheirenta, em contraste com o cinzento do céu alentejano da semana passada.

Alentejo e Trás-os-Montes

«Em Portugal, há duas coisas grandes, pela força e pelo tamanho: Trás-os-Montes e o Alentejo. Trás-os-Montes é o ímpeto, a convulsão; o Alentejo, o fôlego, a extensão do alento. Províncias irmãs pela semelhança de certos traços humanos e telúricos, a transtagana, se não é mais bela, tem uma serenidade mais criadora.»
Miguel Torga, Portugal



sexta-feira, 22 de março de 2013

Dia de mar

As ondas quebravam uma a uma
Eu estava só com a areia e com a espuma 
Do mar que cantava só para mim
Sophia de Mello Breyner, Dia do Mar