domingo, 4 de novembro de 2012

Um riso sério



No Museu da Electricidade a exposição Riso: uma exposição a sério.
A exposição é mesmo séria, mas um pouco apertadinha: não há muito espaço para o riso.
Dizem que são quase 500 obras entre pinturas, desenhos, esculturas, instalações, BD, vídeo, fotografia, cinema e coisas difíceis de catalogar.
Revemos representações de humor, de muitos tipos, não obrigatoriamente riso. O notável Cobrador de impostos, de Brueghel, o Jovem, deixa-nos um sorriso muito amarelo!

Pormenor de Cobrador de Impostos
E o riso faz falta, na medida em que (nos) liberta. É próprio do homem e da sua (nossa) racionalidade. O Homem é o único animal que...
O velho monge bibliotecário de O Nome da Rosa, Jorge de Burgos, considerava o riso uma fonte de dúvida e, sendo contrário à necessária piedade cristã, não devia ser livremente permitido.
«O riso é a fraqueza, a corrupção, a sensaboria da nossa carne.» E queria impedir que o segundo livro da Poética de Aristóteles, que seria dedicado à comédia, fosse conhecido. «(...) aqui inverte-se a função do riso, eleva-se a uma arte, abrem-se-lhe as portas do mundo dos doutos, faz-se dele objecto de filosofia e de pérfida teologia...»
Porque no riso também há diferenças - ou há diferentes risos. Os doutos que riem são perigosos!
«O riso liberta o vilão do medo do diabo, porque na festa dos tolos o próprio diabo aparece pobre e tolo, portanto controlável. Mas este livro poderia ensinar que libertar-se do medo do diabo é sapiência. (...) este livro poderia ensinar aos doutos os enigmas argutos, e a partir daquele momento ilustres, com que legitimar a subversão.»
«Que o riso seja próprio do homem é sinal dos nossos limites de pecadores. Mas deste livro quantas mentes corruptas como a tua extrairiam o extremo silogismo, pelo qual o riso é a finalidade do homem!  (...) a lei impõe-se através do medo, cujo nome verdadeiro é temor de Deus. E deste livro poderia partir a centelha luciferina que transmitiria ao mundo inteiro um novo incêndio: e o riso designar-se-ia como a arte nova, ignorada até de Prometeu, para anular o medo. (...) E deste livro poderia nascer a nova e destruidora aspiração a destruir a morte através da libertação do medo. E que seríamos nós, criaturas pecadoras, sem o medo, talvez o mais próvido e afectuoso dos dons divinos?»
Jorge de Burgos sabia: o homem pode querer criar na Terra o reino da felicidade. Quem detém (e quer muito) o poder não quer essas liberdades. Controla pela acção do medo.

Afastámo-nos do riso, mas a exposição também não terá como primeiro objectivo fazer rir. É, em grande medida, uma exposição de arte, por vezes luciferina, para fazer reflectir sobre o riso (o humor).
O humor (o riso) pode ser um pauzinho na engrenagem (e partir a loiça).


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