quinta-feira, 26 de julho de 2012

O Douro, as vinhas e as vindimas - Torga

Vinhas e oliveiras entre Pinhão e Sabrosa (Agosto de 2010)

«(...) colhido o centeio, nos plainos altos do granito pouco ou nada mais há que fazer durante uma temporada, e a palavra "vindima" soa como uma senha de recurso e de libertação. De resto, o grande sonho da terra em todo o ano é entrar numa roga. Descer à Ribeira é uma aventura da Montanha desde que há videiras no mundo. Vai-se à festa pagã da colheita dos cachos com a seiva da mocidade a florir ou com a secura da velhice a reverdecer.
(...)
Novas terras vieram depois, cada vez mais fundas e mais abafadas. Paços, Sabrosa, Vilarinho, Celeirós - patamares de descanso na grande escadaria. A coberto dos bafos gelados do Marão, as cepas e as tanchoeiras vestiam-se de serena pujança. E os cachos maduros e as azeitonas a pintar extremavam dois mundos: o mundo da terra quente e o mundo da terra fria. (...)
Numa curva da estrada, o Doiro apareceu. O rio Pinhão, depois de atravessar as duas pontes, a da estrada de macadame e a do caminho-de-ferro, entrava-lhe no flanco ainda a espumar, e a luz do Sol a pino reverberava, crua, no caudal majestoso. Os olhos secos da Montanha, fundos como as fontes de chafurdo, arregalavam-se de espanto diante da levada de oiro. Para muitos o espectáculo não tinha novidade. Mas os restantes paravam abismados e tontos. Uma sensação de longe, de coisa que arrasta a gente sem a gente querer, tirava-lhes a segurança firme das fragas.
- E para onde vai tanta água? - perguntava o Chico, espantado.»
Miguel Torga, Vindima

O Douro visto de S. Leonardo da Galafura (Agosto de 2009)

Miguel Torga era natural de S. Martinho de Anta, concelho de Sabrosa. O romance Vindima foi publicado em 1945.

Sem comentários:

Enviar um comentário