domingo, 15 de abril de 2012

Fernando Pessoa no facebook

Transcrevo a crónica de Manuel Halpern publicada no JL de 29 de Junho de 2011.
Acho o texto de uma imaginação delirante. Tinha-o guardado e a pluralidade de Fernando Pessoa recordou-mo.

O mural de Pessoa

Se no tempo de Fernando Pessoa houvesse Facebook, então é que a arca nunca mais acabava. E os pessoanos estudariam cada like, com afinco, procurando as motivações literárias e as personalidades escondidas naquele gesto espontâneo. E as partilhas. Talvez aquela Oração que circula por aí, da Banda Mais Bonita da Cidade, lhe despertasse os sentidos, ou pelo menos a um dos heterónimos. Ai, se a equipa do Mark Zuckerberg descobrisse os heterónimos iria logo classificá-los como perfis falsos, e lá se ia o mural do Álvaro de Campos. Talvez não dessem por nada. E só anos mais tarde os pessoanos mais aplicados encontrariam um perfil falso sem amigo nenhum, mas pessoanamente genial.
Sim, o Álvaro de Campos seria o mais torrencial. Partilhas em catadupa, remissões para o blogue, momentos de grande euforia e habilidade informática. O Ricardo Reis publicaria, rigorosamente, um post por dia, e só aceitaria amizade de pessoas com quem privasse. O Alberto Caeiro não seria informaticamente dotado, mas até acharia graça à coisa. O Bernardo Soares gostaria mais do Twitter. Nenhum deles teria cinco mil amigos, nem mesmo o Fernando Pessoa ortónimo, sobretudo por uma questão de timidez, apesar de passar demasiado tempo no chat com Ofélia. Todos os posts de amor são ridículos.
Imagine-se o manancial de informação arquivado. As publicações do mural. O Almada Negreiros seria um dos mais fervorosos frequentadores, com considerações e discussões acesas. Até ao dia, claro está, em que via a conta bloqueada, por denúncia de Júlio Dantas, que considerou aquela história do “Pim!” indecorosa e imoral o seu mural.
Quando inventaram a revista Orpheu criariam um evento, a que poucos amigos ligaram. Mas eles insistiram muito. Até criaram um site onde publicavam apenas parte dos conteúdos... Quem quisesse ler o resto que comprasse a revista. Contudo, o volume três teria apenas sairia em edição digital, com grafismo do Almada e ciberarte do Amadeo.
Todos choraram muito a morte de Mário de Sá-Carneiro. De Paris, ele já tinha colocado uns posts que sugeriam a depressão, mas ninguém poderia esperar aquilo. O Mural encheu-se de comoventes mensagens de despedida. Alguns até lhe dedicariam poemas.
Quando Fernando Pessoa morreu, misteriosamente, Ricardo Reis continuou ativo, a publicar os seus posts diários. Quem descobriu isso foi esse tal de Saramago, que o matou anos mais tarde.


Manuel Halpern, Jornal de Letras, 29 de Junho de 2011

A arca de Fernando Pessoa
Imagino o que seria a discussão de família lá dentro

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