segunda-feira, 17 de outubro de 2011

O roubo da alma

Não gosto que me roubem o dinheiro, gosto ainda menos que me roubem a alma.


O primeiro-ministro, na passada 5.ª feira, anunciou o primeiro dos roubos. A realidade com que nos vamos confrontando, o seu discurso e outros do género provocam o segundo dos roubos. Porque vivemos essa realidade e sabemos que o discurso é falso.
O seu discurso não merece crédito. O primeiro-ministro nem sequer governa! Ele faz-que-governa, mas é mentira. Não são os governos, apesar do título, que governam. Os governos são governados.
No sistema capitalista, o capital tem de se reproduzir, de crescer. Os caminhos podem ser os mais ínvios. Os meios não interessam, as consequências sofridas pela maioria também não. Doa a quem doer, a acumulação/concentração de capital é o fim.
Só aparentemente vivemos em democracia e em liberdade. As grandes empresas financeiras controlam não só os mercados financeiros como os governos e a comunicação social e, através destes, as várias instituições (ditas democráticas) do Estado, incluindo a justiça.
As crises, provocadas e estimuladas por esses poderes financeiros, são momentos privilegiados para essa acumulação/concentração. O mundo é dos mercados, essa abstracção hipócrita nunca antes tão usada. É dos "espertos" que sabem manipular esses mecanismos, jogar com as regras, impor as regras.
O governo que aparentemente nos governa é um instrumento dos tais mercados: faz o que os mercados querem que faça, com desculpas mais ou menos esfarrapadas e patéticas declarações de intenção.
Isto é uma verdade de La Palice. É o óbvio.
Tão óbvio e tão verdade como os resultados que serão atingidos em 2012 e 2013: continuação da crise, agravada pelo rol dramático das situações sociais provocadas. Até pessoas da área política do governo o afirmam.
Vamos caminhando de Orçamento de crise em Orçamento de crise, como caminhámos de PEC em PEC, até à derrocada final. “Lá vamos, cantando e rindo / levados, levados sim”.
Portanto, não podemos acreditar em quem nos devia dirigir, nem nas medidas, nem na generosidade das mesmas e muito menos no sucesso da sua aplicação, porque não é possível. Se tivéssemos sucesso os mercados perdiam e eles não podem perder.
A continuarmos por este caminho, daqui a uns meses haverá repetição das medidas, nunca mais voltaremos a ter subsídios de férias e de Natal – o mais difícil é decretar a primeira vez! – mais medidas que serão descobertas para satisfação dos mercados que elogiarão o esforço e a atitude de bom comportamento de Portugal, o “bom aluno”.
Nada do que nos é pedido imposto resolverá o que quer que seja, a não ser a possibilidade futura de contrair mais dívida.
As regras do sistema têm de ser alteradas, sob pena de continuarmos nesta espiral auto-destrutiva.
Nada do que nos é pedido imposto faz parte de uma estratégia que não seja de deferência e de sujeição: não há um desígnio mobilizador, não há uma ideia construtiva, não há qualquer sentimento de solidariedade, não há uma centelha de esperança.

Quando me tiram dinheiro para alimentar este sistema em que vivemos, estou a ser roubado.
Quando me transformam num mero número ou num instrumento sem pertença a uma comunidade e deixo de ter identidade, estão-me a roubar a alma.
Citemos Camões, quando este se referia a D. Fernando I (que nos lançou na crise de 1383):
“Que um fraco Rei faz fraca a forte gente.”


Porque será que me lembrei de Zabriskie Point?

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