Alexandre Borodin, químico, filho de príncipe e com nome de escravo.
quinta-feira, 30 de abril de 2020
Era possível estar preparado para esta pandemia?
«Nunca vamos estar preparados. A questão para a comunidade científica já não era se iria surgir uma pandemia grave, mas quando. E serão cada vez mais. Ao longo da história, os vírus foram saltando de espécie em espécie. Quando descobrimos a agricultura, a varíola passou das vacas para o homem. Depois crescemos em cidades com mais de meio milhão de pessoas e o sarampo passou dos animais para o homem. Há 100 anos, o VIH existia em chimpanzés e só havia 30 mil em África, isolados, mas o homem invadiu o território deles e o vírus saltou a barreira da espécie. Cada vez mais há pressão em territórios como o dos morcegos, que são o habitat natural dos coronavírus. Portanto, a melhor forma para estarmos preparados é prevenir, através de uma forma inteligente de viver com a natureza. E não a que temos tido.»
Pedro Simas, virologista,
em entrevista ao Expresso, 24 de Abril de 2020
terça-feira, 28 de abril de 2020
Como um vírus
Em tempos de ensino a distância, um aluno enviou-me um mail a perguntar qual era o principal porto de mar português do século XIV.
Estranhei o interesse para quem está no 6.º ano.
Era para um jogo online, precisava de responder.
Desconfiei.
Procurei rápido na net e fui ter a um site educativo (?) "disponível em Portugal e no Brasil".
Encontrei aí a resposta: Roterdão!
É verdade que a resposta Roterdão não é dada directamente pelos responsáveis do site.
Mas indirectamente acabam por "contribuir" para essa resposta.
Respondi ao meu aluno: "A resposta verdadeira é Lisboa. Se estás a jogar na net, é possível que a resposta seja Roterdão. Aposta em Roterdão."
Apostou.
Acertou!
Roterdão era o maior porto português no século XIV!
O principiante não respondeu à pergunta feita e ajudou a criar um facto histórico.
Pelos vistos, a pergunta (e a presumível resposta, que até ganhou 4 estrelas em 5) está a servir para jogos educativos online.
Como um vírus!
Estranhei o interesse para quem está no 6.º ano.
Era para um jogo online, precisava de responder.
Desconfiei.
Procurei rápido na net e fui ter a um site educativo (?) "disponível em Portugal e no Brasil".
Encontrei aí a resposta: Roterdão!
É verdade que a resposta Roterdão não é dada directamente pelos responsáveis do site.
Mas indirectamente acabam por "contribuir" para essa resposta.
Respondi ao meu aluno: "A resposta verdadeira é Lisboa. Se estás a jogar na net, é possível que a resposta seja Roterdão. Aposta em Roterdão."
Apostou.
Acertou!
Roterdão era o maior porto português no século XIV!
A pergunta está feita!
Um "principiante" não mentiu na sua resposta: Roterdão é o maior porto marítimo da Europa! Não diz que fica em Portugal ou que é português. Isso já foi uma interpretação de quem montou um jogo.
É afirmado que Roterdão fica nos Países Baixos, mas isso é um pormenor. No século XIV seria apenas um recente e pequeno porto pesqueiro. Mas para saber isso já é necessário perder algum tempo a pesquisar.O principiante não respondeu à pergunta feita e ajudou a criar um facto histórico.
Pelos vistos, a pergunta (e a presumível resposta, que até ganhou 4 estrelas em 5) está a servir para jogos educativos online.
Como um vírus!
Comentadores (de cada momento)
A situação extraordinária que vivemos libertou-nos dos comentários futebolísticos e deu-nos a conhecer os especialistas da saúde e da ciência. Desconhecíamos a existência de tantos e do trabalho que realizam, no nosso país ou no exterior. Não ganham é tanto como os futebolistas (aqueles mais conhecidos), não têm as mesmas condições de trabalho nem a atenção habitual da comunicação social.
Os comentadores generalistas, apanhados de surpresa no início da pandemia, regressaram rápido à ribalta, pois tanto comentam o futebol como o vírus.
A tendência dos últimos dias é o da ascensão dos comentadores de economia, defendendo, maioritariamente, o regresso à normalidade (a passada, pois o que será a normalidade futura?), porque a crise económica os preocupa mais do que o estado da saúde pública. Também, regra geral, foram dos que acharam, em tempos de crise, que deviam diminuir as despesas ou investimentos no Serviço Nacional de Saúde.
Economia versus Saúde. Como a história de quem apareceu primeiro: o ovo ou a galinha. Não há economia sem saúde pública, não há saúde pública sem economia.
Abre-se, agora, uma janela de oportunidade para o regresso dos comentadores futebolísticos. Até porque futebol é economia.
E só num tempo estranho seria possível reunir as três personalidades referidas no último parágrafo do excerto da notícia do DN.
Os comentadores generalistas, apanhados de surpresa no início da pandemia, regressaram rápido à ribalta, pois tanto comentam o futebol como o vírus.
A tendência dos últimos dias é o da ascensão dos comentadores de economia, defendendo, maioritariamente, o regresso à normalidade (a passada, pois o que será a normalidade futura?), porque a crise económica os preocupa mais do que o estado da saúde pública. Também, regra geral, foram dos que acharam, em tempos de crise, que deviam diminuir as despesas ou investimentos no Serviço Nacional de Saúde.
Economia versus Saúde. Como a história de quem apareceu primeiro: o ovo ou a galinha. Não há economia sem saúde pública, não há saúde pública sem economia.
Abre-se, agora, uma janela de oportunidade para o regresso dos comentadores futebolísticos. Até porque futebol é economia.
E só num tempo estranho seria possível reunir as três personalidades referidas no último parágrafo do excerto da notícia do DN.
Não há uma vida normal sem futebol!
sábado, 25 de abril de 2020
Liberdade
- Liberdade, que estais no céu...
Rezava o padre-nosso que sabia,
A pedir-te, humildemente,
O pão de cada dia.
Mas a tua bondade omnipotente
Nem me ouvia.
- Liberdade, que estais na terra...
E a minha voz crescia
De emoção.
Mas um silêncio triste sepultava
A fé que ressumava
Da oração.
Até que um dia, corajosamente,
Olhei noutro sentido, e pude, deslumbrado,
Saborear, enfim,
O pão da minha fome.
- Liberdade, que estais em mim,
Santificado seja o vosso nome.
Rezava o padre-nosso que sabia,
A pedir-te, humildemente,
O pão de cada dia.
Mas a tua bondade omnipotente
Nem me ouvia.
- Liberdade, que estais na terra...
E a minha voz crescia
De emoção.
Mas um silêncio triste sepultava
A fé que ressumava
Da oração.
Até que um dia, corajosamente,
Olhei noutro sentido, e pude, deslumbrado,
Saborear, enfim,
O pão da minha fome.
- Liberdade, que estais em mim,
Santificado seja o vosso nome.
Miguel Torga, Diário XII
quinta-feira, 23 de abril de 2020
quarta-feira, 22 de abril de 2020
A Terra
Também eu quero abrir-te e semear
Um grão de poesia no teu seio!
Anda tudo a lavrar,
Tudo a enterrar centeio,
E são horas de eu pôr a germinar
A semente dos versos que granjeio.
Na seara madura de amanhã
Sem fronteiras nem dono,
Há de existir a praga da milhã,
A volúpia do sono
Da papoula vermelha e temporã,
E o alegre abandono
De uma cigarra vã.
Mas das asas que agite,
O poema que cante
Será graça e limite
Do pendão que levante
A fé que a tua força ressuscite!
Casou-nos Deus, o mito!
E cada imagem que me vem
É um gomo teu, ou um grito
Que eu apenas repito
Na melodia que o poema tem.
Terra, minha aliada
Na criação!
Seja fecunda a vessada,
Seja à tona do chão,
Nada fecundas, nada,
Que eu não fermente também de inspiração!
E por isso te rasgo de magia
E te lanço nos braços a colheita
Que hás de parir depois...
Poesia desfeita,
Fruto maduro de nós dois.
Terra, minha mulher!
Um amor é o aceno,
Outro a quentura que se quer
Dentro dum corpo nu, moreno!
A charrua das leivas não concebe
Uma bolota que não dê carvalhos;
A minha, planta orvalhos...
Água que a manhã bebe
No pudor dos atalhos.
Terra, minha canção!
Ode de pólo a pólo erguida
Pela beleza que não sabe a pão
Mas ao gosto da vida!
Miguel Torga
sábado, 18 de abril de 2020
Pensar como enfrentar o futuro
«(...) temos de viver reconhecendo que o pânico não contribui para aumentar as nossas possibilidades de sobrevivência. Devemos aproveitar este tempo começando a pensar como enfrentar o futuro com novas pandemias, com escassez de recursos, com catástrofes ambientais e com dirigentes políticos cada vez mais primários, interessados antes de tudo na sua sobrevivência e na do grupo, cada vez mais restrito dos que com eles sobreviverão.»
Carlos Matos Gomes
quinta-feira, 16 de abril de 2020
O vírus da ganância
Carlos Vargas
A lentidão
Lembrei-me do texto de Tolentino de Mendonça por via da memória deste livro de Luís Sepúlveda.
«Com razão, num magnífico texto intitulado "A lentidão", Milan Kundera escreve: "Quando as coisas acontecem depressa demais, ninguém pode ter certeza de nada, de coisa nenhuma, nem de si mesmo." E explica, em seguida, que o grau de lentidão é directamente proporcional à intensidade da memória, enquanto o grau de velocidade é directamente proporcional à do esquecimento. Quer dizer: até a impressão de domínio das várias frentes, até esta empolgante sensação de omnipotência que a pressa nos dá é fictícia. A pressa condena-nos ao esquecimento. Passamos pelas coisas sem as habitar, falamos com os outros sem os ouvir, juntamos informação que nunca chegamos a aprofundar. Tudo transita num galope ruidoso, veemente e efémero. Na verdade, a velocidade com que vivemos impede-nos de viver.
Uma alternativa será resgatar a nossa relação com o tempo. Por tentativas, por pequenos passos. Ora isso não acontece sem um abrandamento interno. Precisamente porque a pressão de decidir é enorme, necessitamos de uma lentidão que nos proteja das precipitações mecânicas, dos gestos cegamente compulsivos, das palavras repetidas e banais. Precisamente porque nos temos de desdobrar e multiplicar, necessitamos de reaprender o aqui e o agora da presença, de reaprender o inteiro, o intacto, o concentrado, o atento e o uno.
Lembro-me de uma história engraçada que ouvi contar à pintora Lourdes Castro. Quando em certos dias o telefone tocava repetidamente, e os prazos apertavam e tudo, de repente, pedia uma velocidade maior do que aquela que é sensato dar, ela e o Manuel Zimbro, seu marido, começavam a andar teatralmente em câmara lenta pelo espaço da casa. E divergindo dessa forma com a aceleração, riam-se, ganhavam tempo e distanciamento crítico, buscavam outros modos, voltavam a sentir-se próximos, refaziam-se.
Mesmo se a lentidão perdeu o estatuto nas nossas sociedades modernas e ocidentais, ela continua a ser um antídoto contra a rasura normalizadora. A lentidão ensaia uma fuga ao quadriculado; ousa transcender o meramente funcional e utilitário; escolhe mais vezes conviver com a vida silenciosa; anota os pequenos tráficos de sentido, as trocas de sabor e as suas fascinantes minúcias, o manuseamento diversificado e tão íntimo que pode ter luz.»
«Com razão, num magnífico texto intitulado "A lentidão", Milan Kundera escreve: "Quando as coisas acontecem depressa demais, ninguém pode ter certeza de nada, de coisa nenhuma, nem de si mesmo." E explica, em seguida, que o grau de lentidão é directamente proporcional à intensidade da memória, enquanto o grau de velocidade é directamente proporcional à do esquecimento. Quer dizer: até a impressão de domínio das várias frentes, até esta empolgante sensação de omnipotência que a pressa nos dá é fictícia. A pressa condena-nos ao esquecimento. Passamos pelas coisas sem as habitar, falamos com os outros sem os ouvir, juntamos informação que nunca chegamos a aprofundar. Tudo transita num galope ruidoso, veemente e efémero. Na verdade, a velocidade com que vivemos impede-nos de viver.
Uma alternativa será resgatar a nossa relação com o tempo. Por tentativas, por pequenos passos. Ora isso não acontece sem um abrandamento interno. Precisamente porque a pressão de decidir é enorme, necessitamos de uma lentidão que nos proteja das precipitações mecânicas, dos gestos cegamente compulsivos, das palavras repetidas e banais. Precisamente porque nos temos de desdobrar e multiplicar, necessitamos de reaprender o aqui e o agora da presença, de reaprender o inteiro, o intacto, o concentrado, o atento e o uno.
Lembro-me de uma história engraçada que ouvi contar à pintora Lourdes Castro. Quando em certos dias o telefone tocava repetidamente, e os prazos apertavam e tudo, de repente, pedia uma velocidade maior do que aquela que é sensato dar, ela e o Manuel Zimbro, seu marido, começavam a andar teatralmente em câmara lenta pelo espaço da casa. E divergindo dessa forma com a aceleração, riam-se, ganhavam tempo e distanciamento crítico, buscavam outros modos, voltavam a sentir-se próximos, refaziam-se.
Mesmo se a lentidão perdeu o estatuto nas nossas sociedades modernas e ocidentais, ela continua a ser um antídoto contra a rasura normalizadora. A lentidão ensaia uma fuga ao quadriculado; ousa transcender o meramente funcional e utilitário; escolhe mais vezes conviver com a vida silenciosa; anota os pequenos tráficos de sentido, as trocas de sabor e as suas fascinantes minúcias, o manuseamento diversificado e tão íntimo que pode ter luz.»
José Tolentino Mendonça
Lee Konitz
Acumulam-se demasiadas mortes de conhecidos e admirados.
Significa que as pessoas que são as nossas referências estão numa idade de maior risco e que nós estamos cada vez mais adn (afastados da data de nascimento).
Significa que as pessoas que são as nossas referências estão numa idade de maior risco e que nós estamos cada vez mais adn (afastados da data de nascimento).
Lee Konitz (1927-2020)
Lee Konitz tocou ainda, entre outros, com Charles Mingus, Ornette Coleman, Elvin Jones, Dizzy Gillespie, Bill Evans, Charlie Haden e Brad Mehldau.
Luís Sepúlveda (1949-2020)
«A minha ideia de morte não é traumática. É o fim de algo. Necessário. Estamos. Crescemos. Somos felizes. Sofremos. A vida é maravilhosa…e tem que chegar o dia do fim. Esse dia virá e quando chegar, quando chegar a morte, há que esperá-la sem traumas. É como abrir a porta e dizer: Bem, aqui estou…vamos…acabou-se.»
Luís Sepúlveda
Poema de despedida
João Luís Barreto Guimarães, poeta e médico, antigo aluno da Prof. Maria de Sousa, divulgou um poema de despedida da cientista, que já se encontrava doente antes de ser contaminada pelo covid-19.
Tudo momentos então
Eternidades agora
Porque posso morrer e vós tereis de viver
Na vossa vida a esperança da minha duração
quarta-feira, 15 de abril de 2020
A América distópica
«(...) um presidente dos EUA perdido nos seus próprios passos, simboliza na perfeição a distopia da sociedade americana. O seu suposto líder continua de passo às avessas com o mundo, com a realidade, com a vida. O desvario narcísico leva-o à procura errática, sucessiva, de bodes expiatórios para tentar justificar a incompetência e o total desconchavo da sua administração. Da UE à China, da ONU à OMS, dos governadores à administração Obama, da FDA aos cientistas, das élites académicas aos media, todos são responsáveis menos Trump. Esse "moto continuo" alienatório não o exonera. Deixa cada dia mais transparente a fatalidade histórica que atingiu a grande nação americana, no topo do seu poder.»
Carlos Vargas, no fb
sexta-feira, 10 de abril de 2020
O Espólio - El Greco
«Os soldados levaram Jesus para o interior do pátio do palácio chamado Pretório e juntaram ali toda a tropa. Puseram sobre ele uma capa vermelha, colocaram-lhe na cabeça uma coroa de espinhos entrançados e começaram a saudá-lo: "Viva o rei dos judeus!" Ao mesmo tempo batiam-lhe com uma vara na cabeça, cuspiam-lhe e punham-se de joelhos diante dele, como se estivessem a adorá-lo.
Depois de troçarem dele, tiraram-lhe a capa vermelha e tornaram a pôr-lhe a sua roupa. Por fim, levaram Jesus dali para o crucificarem.»
Obra executada por El Greco, entre 1577 e 1579, por encomenda do cabido da Catedral de Toledo.
Retrata o momento anterior à crucificação, tema relativamente raro na iconografia religiosa. A presença das três Marias (a Virgem, sua irmã - Maria Cleofás e Maria Madalena), no canto inferior esquerdo, e o facto de várias personagens que rodeiam Cristo se encontrarem a uma altura superior na representação, levantaram objeções por parte do cabido, que exigiu alterações no quadro.
O carácter menos ortodoxo da obra levou à contestação do pagamento do valor requerido pelo pintor e, depois do pleito, ao atraso desse pagamento. Contos pouco cristãos para este momento!...
Mas a obra lá permanece em destaque na catedral de Toledo, sem que El Greco a tenha alterado.
E depois desta, muitas outras executou na cidade, sem que se livrasse de mais contestações à sua arte.
Em qualquer época, é difícil ser visionário e estar à frente do tempo.
Depois de troçarem dele, tiraram-lhe a capa vermelha e tornaram a pôr-lhe a sua roupa. Por fim, levaram Jesus dali para o crucificarem.»
Marcos 15, 16-20
El Greco - O Espólio (Catedral de Toledo) |
Obra executada por El Greco, entre 1577 e 1579, por encomenda do cabido da Catedral de Toledo.
Retrata o momento anterior à crucificação, tema relativamente raro na iconografia religiosa. A presença das três Marias (a Virgem, sua irmã - Maria Cleofás e Maria Madalena), no canto inferior esquerdo, e o facto de várias personagens que rodeiam Cristo se encontrarem a uma altura superior na representação, levantaram objeções por parte do cabido, que exigiu alterações no quadro.
O carácter menos ortodoxo da obra levou à contestação do pagamento do valor requerido pelo pintor e, depois do pleito, ao atraso desse pagamento. Contos pouco cristãos para este momento!...
Mas a obra lá permanece em destaque na catedral de Toledo, sem que El Greco a tenha alterado.
E depois desta, muitas outras executou na cidade, sem que se livrasse de mais contestações à sua arte.
Em qualquer época, é difícil ser visionário e estar à frente do tempo.
quinta-feira, 9 de abril de 2020
A Última Ceia
Nos modernos tempos de isolamento social.
Não deixa de ser uma forma de lembrar um momento icónico do Cristianismo, da sua história - uma memória - a memória que se quer afirmar a partir do Evangelho de S. Lucas ("Façam isto em memória de mim."), como lembra hoje o Professor Frederico Lourenço, na sua conta do fb.
«Recordamos, hoje, uma ceia que teve lugar em Jerusalém, há dois mil anos, onde um homem que muitos de nós consideramos o Mestre cujos ensinamentos orientam as nossas vidas tomou a sua última refeição na terra, acompanhado por doze discípulos ou apóstolos. O que aconteceu nesse jantar? O que disse Jesus? De que modo os primeiros séculos do cristianismo transmitiram as suas palavras e os seus gestos?»
Noronha da Costa (1942-2020)
Faleceu o artista plástico, também cineasta, arquitecto de formação, Luís Noronha da Costa.
Nascido em Benfica, completaria 78 anos no próximo dia 17.
Foi a translucidez da sua pintura - o mistério das sombras por detrás - que me cativou o olhar. Eduardo Lourenço fala de imagens "fantasmais".
"Não mais representar coisas,
mas apresentar as suas imagens,
na verificação de que as imagens
são a antítese das coisas,
o ecrã transparente através do qual vemos a realidade."
(Noronha da Costa)
Painel de Noronha da Costa que se encontrava no já desaparecido cinema Londres (Lisboa) O painel também desapareceu? |
E adivinho o pôr do Sol em S. Pedro do Estoril (onde o artista viveu) por detrás da sombra feminina e dos cactos...
O mosqueiro da batalha
«Estamos na madrugada de 9 de Abril. O meu batalhão, saído da trincha às três horas da madrugada de 7, chegou ontem pelo meio-dia a Boseghem, aldeia a doze quilómetros do front, ainda tranquila há dois dias (...)
Está amanhecendo e um nevoeiro bastante espesso ensombra os vultos das casas ainda adormecidas e as ruas onde circulam alguns raros madrugadores. Subitamente a artilharia desperta ao longe. O seu rumor avoluma-se e torna-se dentro em pouco como o marulhar duma onda brava batendo a rocha sem descanso. O longínquo horizonte ilumina-se sucessivamente. Na véspera, na antevéspera, todos os nossos canhões bateram sem repouso a zona retaguarda boche onde se apercebiam movimentos insólitos de tropas e viaturas. Será a continuação desse trabalho? A esta distância não é possível distinguir o som do fogo e o dos rebentamentos. O rumor não cessa um minuto, e em breve toda a aldeia se agita. Todos se ergueram para saber o que há. De quando em quando ouvem-se perto as chegadas da artilharia mais pesada. O inimigo está regando as nossas zonas recuadas. As nossas peças grossas ripostam. Temos a impressão de que cousas formidáveis se estão passando. As horas vão decorrendo sem que aquele furacão abrande. Os nossos ouvidos afeitos a tais tempestades reconhecem que esta é a maior de todas.
(...) Sem termos a menor indicação, o menor esclarecimento, adivinhamos que uma horrível tragédia se está desenrolando, e é impossível que não sejamos chamados a tomar parte nela.»
Cerca de um século depois, estamos nós nas trincheiras das nossas casas. Bem mais confortáveis para a grande maioria...
A guerra é outra!
Está amanhecendo e um nevoeiro bastante espesso ensombra os vultos das casas ainda adormecidas e as ruas onde circulam alguns raros madrugadores. Subitamente a artilharia desperta ao longe. O seu rumor avoluma-se e torna-se dentro em pouco como o marulhar duma onda brava batendo a rocha sem descanso. O longínquo horizonte ilumina-se sucessivamente. Na véspera, na antevéspera, todos os nossos canhões bateram sem repouso a zona retaguarda boche onde se apercebiam movimentos insólitos de tropas e viaturas. Será a continuação desse trabalho? A esta distância não é possível distinguir o som do fogo e o dos rebentamentos. O rumor não cessa um minuto, e em breve toda a aldeia se agita. Todos se ergueram para saber o que há. De quando em quando ouvem-se perto as chegadas da artilharia mais pesada. O inimigo está regando as nossas zonas recuadas. As nossas peças grossas ripostam. Temos a impressão de que cousas formidáveis se estão passando. As horas vão decorrendo sem que aquele furacão abrande. Os nossos ouvidos afeitos a tais tempestades reconhecem que esta é a maior de todas.
(...) Sem termos a menor indicação, o menor esclarecimento, adivinhamos que uma horrível tragédia se está desenrolando, e é impossível que não sejamos chamados a tomar parte nela.»
André Brun, A Malta das Trincheiras
Este texto é excerto da crónica O mosqueiro da batalha, dedicada "Aos que caíram bem em 9 de Abril". A batalha desse 9 de Abril de 1918 é a batalha de La Lys.
Souvenirs, chamou André Brun ao conjunto de memórias que constituem A Malta das Trincheiras.
Cerca de um século depois, estamos nós nas trincheiras das nossas casas. Bem mais confortáveis para a grande maioria...
A guerra é outra!