Desde 2012 que se comemora o Dia da Livraria e do Livreiro, assinalando o aniversário da morte de Fernando Pessoa e de Fernando Assis Pacheco, este último... precisamente numa livraria.
Livraria Culsete, montra que assinalava este dia, no ano de 2013.
A histórica livraria de Setúbal, entretanto, já encerrou...
«Fernando Pessoa pousou a face na almofada e fez um sorriso cansado. Meu caro António Mora, disse, Proserpina quer-me no seu reino, é tempo de partir, é tempo de deixar este teatro de imagens a que chamamos a nossa vida, se soubesse as coisas que vi com os olhos da alma, vi os contrafortes de Oríon, lá de cima no espaço infinito, caminhei com estes pés terrenos sobre o Cruzeiro do Sul, atravessei noites infinitas como um cometa cintilante, os espaços interestelares da imaginação, a volúpia e o medo, e fui homem, mulher, velho, menina, fui a multidão dos grandes boulevards das capitais do Ocidente, fui o plácido Buda do Oriente ao qual invejamos a calma e a sabedoria, fui eu próprio e os outros, todos os outros que podia ser, conheci honras e desonras, entusiasmos e desânimos, atravessei rios e inacessíveis montanhas, guardei plácidos rebanhos e recebi na cabeça o sol e a chuva, fui fêmea em calor, fui o gato que brinca na rua, fui Sol e Lua, e tudo porque a vida não basta. Mas agora basta, meu caro António Mora, viver a minha vida foi viver mil vidas, estou cansado, a minha vela gastou-se, faça-me um favor, dê-me os meus óculos. António Mora ajustou a túnica. Prometeu urgia-lhe. Ó céu divino, exclamou, velozes ventos alados, nascentes dos rios, sorriso inumerável das ondas marinhas, terra, mãe universal, a vós invoco, e ao globo do Sol que tudo vê, vede a que estou sujeito. Pessoa suspirou. António Mora tirou os óculos de cima da mesa-de-cabeceira e pô-los na cara de Pessoa. Pessoa abriu muito os olhos e as suas mãos pararam sobre o lençol. Eram exactamente vinte horas e trinta.»
Antonio Tabucchi, Os três últimos dias de Fernando Pessoa
«Retratista psicológico, pretende cunhar a força ou a singeleza dum carácter na beleza sólida, preciosa da cor. Que outro retrato português tem o vigor, a majestade da "Luva Cinzenta"? Nenhum. Não é retrato: é efígie. É profundamente Pintura e é profundamente Arte.»
Nuno de Sampayo
Columbano Bordalo Pinheiro nasceu a 21 de Novembro.
«Na verdade, nasci no dia 16 de Novembro de 1922, às duas horas da tarde, e não no dia 18, como afirma a Conservatória do Registo Civil. Foi o caso que meu pai andava nessa altura a trabalhar fora da terra, longe, e, além de não ter estado presente no nascimento do filho, só pôde regressar a casa depois de 16 de Dezembro, o mais provável no dia 17, que foi domingo. É que então, e suponho que ainda hoje, a declaração de um nascimento deveria ser feita no prazo de trinta dias, sob pena de multa em caso de infracção. Uma vez que naqueles tempos patriarcais, tratando-se de um filho legítimo, não passaria pela cabeça de ninguém que a participação fosse feita pela mãe ou por um parente qualquer (...). Em relação à data de nascimento que tenho no bilhete de identidade morrerei dois dias mais velho, mas espero que a diferença não se note demasiado.»
«Tudo mexe, tudo vive e palpita e se transforma rapidamente. Um perfil nunca nos aparece imóvel; aparece e desaparece sem cessar. Os objectos em movimento deformam-se em vibrações precipitadas no espaço que percorreram. Nada é absoluto em pintura. Aquilo que ontem era natureza-morta é hoje matéria viva. Os seres animais e vegetais têm uma vitalidade de explosão para fora. Os objectos têm uma vitalidade de concentração para dentro.»
Entrar no lugar comum...
mas é impossível deixar passar em branco, para quem está nos 50-60 (pelo menos para esses!).
Faz já muito que me deram a conhecer Songs of Love and Hate, que me falaram de Leonardo Cohen e da sua poesia, que o punha a tocar com frequência e que ouvia "alguém" dizer-me: "Lá tens tu essa lesma a cantar!".
Passaram os anos, houve muitas mais canções, mas o meu Leonardo Cohen dificilmente deixará de estar colado a Songs of Love and Hate.
Agora reforçamos aquele pensamento de que poderia ter sido ele a vencer o Nobel da Literatura.
Pela mesma ordem de razões por que Bob Dylan o ganhou, poderia ter sido Leonard Cohen o distinguido - fim de carreira.
Como se isso fosse importante...
Com todas as diferenças e alguma semelhança, os dois são uma referência e uma memória.
Se um é "o fanhoso do Minnesota" (Alexandre O'Neill), o outro é "essa lesma" (Clotilde de Jesus)!
Continuo a ouvir os dois.
(e ainda "aquele que tem dores de barriga", mas esse - não identificado - é outra história!)
«Mas o fruto dos frutos, o único que ao mesmo tempo alimenta e simboliza, cai dumas árvores altas, imensas, centenárias, que, puras como vestais, parecem encarnar a virgindade da própria paisagem. Só em Novembro as agita uma inquietação funda, dolorosa, que as faz lançar ao chão lágrimas que são ouriços. Abrindo-as, essas lágrimas eriçadas de espinhos deixam ver numa cama fofa a maravilha singular de que falo, tão desafectada que até no próprio nome é doce e modesta: a castanha. Assada, no S. Martinho, serve de lastro à prova do vinho novo. Cozida, no Janeiro glacial, aquece as mãos e a boca de pobres e ricos. Crua, engorda os porcos, com a vossa licença...»
Miguel Torga, Um Reino Maravilhoso (Trás-os-Montes)
A ninguém preciso dizer adeus: todos têm suas ocupações, e estão longe, embebidos em seus enganos, que a felicidade imitam. A ninguém preciso dizer adeus: nenhum espaço formará lugar de ausência, pois a presença nunca formou nenhum espaço. A ninguém preciso dizer adeus: parece triste partir assim, sem lembrança nem lágrima. Não é, porém, mais alegre, desaparecer ao longe sem ter deixado atrás nem lágrimas nem lembrança?
«Sempre imaginei que o paraíso fosse uma espécie de biblioteca.»
Jorge Luís Borges
«As bibliotecas, sejam as minhas, sejam as que partilhei com um público mais vasto de leitores, sempre me pareceram lugares agradavelmente loucos. Sinto um prazer aventureiro em perder-me entre estantes apinhadas, supersticiosamente confiante de que qualquer hierarquia estabelecida de letras ou números me conduzirá, um dia, a um destino prometido.»
«Um corpo. Um corpo anda por aqui, obsessivamente, é a alma dos desenhos de Rodrigues. Um corpo opulento e magnífico, um corpo trémulo e desamparado. Da desordem instaurada por um Eros errante, a sua mão recolhe, com apaixonada atenção, um seio onde sentiu um coração opresso, a linha ampla de umas ancas friorentas, a curva adolescente e terna de uns ombros nus, a sombra expectante de um sexo, uns dedos abandonados ao acaso das carícias.»
Das exposições comemorativas dos 150 anos do nascimento de Aurélia de Sousa.
Aurélia de Sousa, Cena de interior com senhora
«Aurélia de Sousa vê sempre a natureza em grande. Realiza com nitidez e coesão, submetendo resolutamente a cor à influência da luz. Apreende-lhe todas as subtilezas e da maneira mais eloquente penetra e descobre o encanto misterioso das sombras.» (Raquel Henriques da Silva)
Aurélia de Sousa, Interior com figura feminina
Aurélia de Sousa, Interior com mãe e irmã da artista